O banheiro executivo do quarto andar se encontrava quase sempre totalmente vazio e sabendo disso, Ana Paula se aproveitava de tal fato para usá-lo como esconderijo nas vezes em que queria fugir um pouco do estresse do trabalho ou para chorar sem que ninguém soubesse ou pudesse lhe flagrar, como fazia agora.
Usou os braços para se apoiar na mármore das pias em frente ao grande espelho que cobria quase toda a parede de cor branca. Mantinha sua cabeça baixa, impedindo o espelho refletir a imagem de uma mulher fraca que se entregava tão facilmente às lágrimas.
As palavras de Bob haviam lhe acertado bem em cheio como um punhal, e ele tinha total razão sobre elas. Ela não tinha uma vida fora daquele escritório e realmente em seu leito de morte, ninguém estaria ali por ela ou sentiria sua falta após sua partida. Ana não poderia negar sua parcela de culpa nisso. Sempre tão dura com as pessoas ao seu redor, se privou de sentir e receber qualquer tipo de sentimento que pudessem nutrir por ela.
Depois de alguns minutos estática naquela posição, Ana Paula levantou a cabeça e olhou seu reflexo, mas logo tratou de limpar rapidamente as lágrimas solitárias que escorriam pelo seu rosto. Retocou o pouco da maquiagem que havia borrado, ajeitou minimamente suas roupas e mais uma vez olhou-se no espelho, a fim de colocar novamente sua máscara de inabalável e seguiu em direção a sua sala.
– Eu sei, mamãe...
– Você não pode deixar essa mulher controlar sua vida, Paola!
– O que você quer que eu faça? Eu dei um duro danado por esse trabalho, estou a um passo de ser promovida e não posso estragar tudo agora por capricho.
– Sua avó ficará muito chateada.
– Diga a abuelita que eu sinto muito... Eu sei que o papai também vai ficar chateado, mas...
Paola desconversa rapidamente o tom da conversa quando sua chefe entra na sala.
– ... Mas nós levamos nossas obrigações muito a sério por aqui e voltaremos a ligar assim que possível.
Retorna a colocar o telefone de volta ao gancho e balança a cabeça negativamente, sem imaginar que Ana Paula já sabia de quem se tratava na ligação já que havia ouvido boa parte da conversa antes de entrar na sala.
– Era sua família? Pediram para você se demitir?
– Todos os dias pedem.
Deu de ombros parecendo não se importar, mas antes que a mais baixa pudesse retrucar, o telefone volta a tocar e a assistente prontamente o atente.
– Escritório da senhorita Vasconcelos... Sim, certo... Estamos indo, obrigada... Bergen e Malloy querem vê-la agora mesmo.
– Arg... Certo, vá me buscar em dez minutos! Temos muito trabalho a fazer ainda hoje.
– Pode deixar, poderosa chefinha.
Esse último apelido foi dito tão baixo que Ana Paula sequer ouviu.
Enquanto a jovem argentina voltava aos seus afazeres, a editora pega o elevador e segue até o andar onde fica localizada a sala de seu superior. Foi comprimentada pela simpática recepcionista mas a ignorou completamente e seguiu inabalada até a sala.
– Jack e Edwin...
Se anunciou e fechou a porta atrás de si, ficando em pé em frente aos dois homens de cabelos grisalhos e barrigas grandes que estavam sentados em suas respectivas cadeiras.
– Parabéns pela Oprah, Paula! Excelente notícia.
– Obrigada, mas não me chamaram aqui para dizer que vou ganhar mais um aumento, não é?
– Paula, você se lembra quando concordamos que você não iria à feira do livro de Frankfurt porque não tinha permissão para sair do país, enquanto seu pedido de visto estivesse em análise?
– Sim, eu me lembro perfeitamente.
– E você foi na FrankFurt.
– Sim, claro! Nós íamos perder DeLillo para a Viking, então não tive escolhas.
– Parece que o governo americano não se importa com quem publica Don DeLillo.
– Nós acabamos de falar com seu advogado de imigração e...
– Ótimo! Então, está tudo bem? Tudo certo?
– Paula...
– É Ana Paula...
A mulher odiava quando a chamavam apenas de Paula, e já estava ficando sem paciência para aquele assunto do qual o achava irrelevante.
– Seu pedido de visto foi negado, e você vai ser deportada.
– D-deportada?
– Parece também que há documentos que você não preencheu no prazo estipulado e...
– Espera aí, mas eu nem sou uma imigrante, pelo amor de Deus, eu sou do Canadá! Deve ter algo que possamos fazer.
– Podemos solicitar de novo, mas terá que ficar fora do país por um ano.
Outra notícia que deixou a mulher preocupada, mas ela suspirou enquanto pensava em soluções para resolver aquela situação.
– Certo... Está bem, isso não é o ideal, mas posso gerenciar de Toronto com vídeos conferências.
– Infelizmente isso não será possível. Como deportada você não pode trabalhar em uma empresa americana, então até que isso se resolva, irei passar suas operações para Bob Spaulding.
– Bob Spaulding? Aquele que eu acabei de demitir?
– Precisamos de um editor-chefe e ele é a única pessoa com experiência suficiente para exercer essa função.
– Você não pode estar falando sério...
– Estamos desesperados para que fique, Ana Paula. Se existisse alguma maneira de resolver isso nós faríamos, acredite!
Em um timing perfeito, eles ouviram uma leve batida na porta e logo em seguida Paola coloca parte de seu corpo para dentro da sala.
– Estamos em reunião.
– Me desculpe por interromper... Mary do escritório da senhora Winfrey está na linha. Eu disse que estava ocupada, mas ela precisa falar com você agora.
Enquanto a moça falava, Ana Paula teve uma ideia que parecia loucura mas poderia reverter sua situação.
– Vem aqui...
– O que?
– Entra logo.
Ana Paula ordenou e Paola, mesmo sem entender nada, adentrou a sala e parou ao lado de sua chefe.
– Senhores, eu compreendo a gravidade da situação em que estamos e... acho que há algo que devem saber.
Observou os homens confirmarem com a cabeça para que ela desse continuidade a sua fala. Ana Paula respirou fundo, encurtando a distância entre ela e Paola.
– Nós vamos nos casar.
Paola havia se distraído quando Ana Paula colocou sua mãe em suas costas sutilmente e não entendeu direito o que a mulher havia dito.
– Quem vai se casar?
– Você e eu.
– Nós...
A assistente apenas balbuciou enquanto negava com a cabeça, mas a editora continuou afirmando sua mentira com categoria, mas os homens ainda estavam incrédulos.
– Ela não é sua secretária?
– Assistente.
– Secretária, assistente executiva. São apenas títulos... Mas não seria a primeira vez que um de nós se apaixona por nossos subordinados, não é mesmo?
Citou o caso que um dos homens havia tido há alguns anos atrás. Foi algo bastante falado entre os funcionários da sede, tanto que até Ana Paula sabia das fofocas, apesar de nunca terem falado diretamente para ela obviamente.
– Então sim, a verdade é que Paola e eu somos duas pessoas que não deveriam se apaixonar, mas nos apaixonamos... Vocês sabem, todas aquelas noites no escritório e eventos nos fins de semana contribuíram para que isso acontecesse. Nós tentamos ir contra isso, mas é algo muito intenso e não conseguimos... Então, tudo certo?
Nossa, como ela pode mentir tão bem? Era o que se passava pela cabeça da argentina. Não sabia o que estava acontecendo e nem o que sua chefe estava aprontando, mas os homens pareciam bastante convencidos com a mentira, o que Paola não acreditava ser possível porque o único sentimento que a assistente nutria por sua chefe era desprezo e pensava que isso não era segredo pra ninguém, mas aparentemente ela poderia passar uma impressão de apaixonada por Ana Paula? Não, isso seria impossível! Pensou a jovem.
– Isso é excelente. Apenas legalize.
Ele disse apontando para o aro dourado em sua mão direita.
– Oh, é claro! Aliança! Bom, isso significa então que nós precisamos ir ao departamento de imigração resolver essa confusão toda... Muito obrigada, senhores. Faremos isso agora mesmo!
Paola apenas acenou para os homens, ainda estática e saiu junto de Ana Paula, seguindo-a com passos no automático ainda processando tudo o que havia acontecido na sala.
Enquanto andavam até a sala da editora, elas recebiam olhares curiosos. Incrivelmente, a mentira já havia se espalhado por todo o escritório e alguns diziam para Paola:"Mandou bem!!"
E outros desacreditados a questionavam:
"Sério? Com ela?"
Alguns mais surpreendidos com a revelação da sexualidade da mais velha, não imaginavam que ela se atraísse por mulheres, mas também o que sabiam sobre a vida da mulher além de que ela gostava de aterrorizar seus funcionários?! E algumas mulheres suspiravam decepcionadas por terem perdido a chance com a atraente argentina.
Ana Paula começou a ler alguns papéis que estavam em sua mesa assim que entrou na sala, totalmente alheia a sua assistente que a olhava insistentemente esperando uma explicação.
– O que foi?
– Não sei exatamente o que está acontecendo aqui.
– Fique tranquila, é para seu bem também.
– Será que pode me explicar?
Paola perdeu um pouco a paciência ao ver uma Ana Paula displicente a sua preocupação.
– Eles iriam promover o Spaulding para posição de editor chefe.
– E naturalmente eu me caso com você?
– E qual é o problema nisso? Está se guardando para alguém especial?
– Gosto de pensar que sim... Além disso, é ilegal.
– Estão atrás de terroristas e não de editores de livros.
– Ana Paula, eu não vou me casar com você.
– É claro que vai. Se não casar comigo, seu sonho de influenciar vidas de milhões de pessoas com a palavra escrita, morre.
Elas se encaram por alguns segundos. A mais velha então suspira pesadamente e solta sobre a mesa os papéis e a caneta que segurava em suas mãos, e volta a olhar nos olhos da jovem.
– Te garanto que Bob vai demitir você assim que eu partir, isso é certo. Isso significa que estará na rua procurando emprego em alguns dias, também significa que todo o trabalho que tivemos juntas, os cafés, as reuniões, as saídas para comprar sapatos terão sido inúteis e seu sonho de ser editora terá acabado. Mas não se preocupe, depois do prazo exigido nós nos divorciamos e não terá mais nada comigo. Até lá, gostando ou não, estará presa a mim!
Ana Paula pega a pilha de papéis e os solta levemente sobre a mesa, alinhando-os. Paola estava sem palavras, ainda não acreditando que teria que casar com a bruxa má do oeste. Como poderia mentir que amava aquela mulher se mal a suportava? Como poderia colocar sua liberdade em risco mentindo por aquela que a tratava tão mal? Mas também, como poderia jogar cinco anos no lixo e começar do zero, sendo que estava tão perto de conquistar o que mais almejava?
Seus pensamentos são interrompidos pelo toque de seu telefone em cima da mesa no canto.
– Atente.
Disse Ana Paula, sem erguer os olhos pra ela.
Oh, os próximos dias seriam impossíveis!

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A PROPOSTA | revisando |
RomansaAna Paula de Vasconcelos é uma mulher forte, incisiva, poderosa e uma das mais respeitada editora-chefe de uma multinacional norte-americana. Por adorar criar um clima de terror sobre seus funcionários, foi secretamente apelidada de "megera" pelos m...