A Criatura

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A tarde na floresta se transformava na melhor hora do dia quando os pássaros cantarolavam suas canções, em suas próprias línguas. Sons diferentes para uma única orquestra , música para os ouvidos de todos os seus amantes. O movimentar da relva e a luz do sol refletida nas poças criadas pela chuva na noite anterior mostravam a beleza do lugar, aquilo era o paraíso.
Ao menos era, para um monstro. Se você fosse um , saberia o quanto aquelas tardes eram milagrosas para um espírito que vagava sem caminho no meio das árvores com folhas dançando lindamente enquanto se encontravam com o chão em uma belíssima caída.
Na verdade , a criatura não era monstruosa , muito menos aterrorizante. Seu rosto era tímido, tinha olhos grandes e gentis , caídos e assustados. Suas patas , maiores que a cabeça de um gorila , sustentavam o corpo rechonchudo e grande. Tinha pelos albinos por toda parte , menos encima do nariz e abaixo de seus gigantescos pés, que jaziam da presença de almofadas para caminhar , como os gatos. Em seu torso , espinhos triangulares percorriam sua espinha dorsal se encontrando com seu pescoço em um bonito padrão.
Seus movimentos eram lentos mas silenciosos , não se ouvia um único ruido , a não ser um chiado que dava sempre que queria chorar. A tristeza o consumia , a solidão parecia agora ser a única saída. O pobre ' monstro ' perambulava .
Nesta mesma tarde , do outro lado do oceano que rodeava a floresta , um porto de barcos e embarcações; Movimentado e com cheiro de peixe fresco, o lugar era visitado por todo tipo de pessoas. Comerciantes , compradores , marinheiros e muitas vezes , escravos e ladrões. Quem caminhava por ali chamando a atenção por onde ia, era uma mocinha de cabelos vermelhos como o fogo e personalidade audáciosa. Rápida, corria de um lado a outro com seus sapatos desgastados e com as solas fundas. Porém, em um minuto, parou para discutir com um vendedor de frutos do mar.
- Dou cinco moedas! - Exclamava a menina
- Meu preço é dez. - Repetiu o homem. Era alto e corpulento , sua barba suja e com cheiro de tabaco se mexia com sua boca cheia de dentes amarelos .
- Lhe dou cinco e fechado! - A garota bateu os pés , querendo acabar a conversa
- Dez.
- Dois! - E ponto final. Nada disse após isso , tendo como resposta o olhar quase fechado e incrédulo do homem. Tirou suas mãos do bolso , com a intenção de tirar sua cliente insatisfeita à força de sua loja. Por sorte , a ruiva entendeu o recado e correu antes de qualquer ação. Outra vez , seu estômago roncava ao som das ondas e com o cheiro dos peixes e algumas frituras.
Viu então, um navio grande, o suficiente para sustentar trinta barris e alguns cestos grandes de comida. A comida: banana , maçã , carne fresca ... O paraíso. Com a barriga falando mais alto que o senso comum , ela se adentrou pelo meio dos barris e caminhou a uma região abaixo do convés.
Se empanturrava com frutas , queijos e derivados. Não havia estado tão feliz em anos , tudo parecia perfeito. Ficaria ali por umas horas e guardaria o suficiente para passar a noite; Assim era seu plano , até ela mesma começar a cambalear. Vozes acima no deque se escutavam ao longe, caminhando para cada vez mais perto. Ásperas e masculinas , os donos do navio.
A menina se encolheu no meio de alguns sacos de batata e melancias , ao ouvir alguém se aproximando demais de onde se encontrava, paralizou com o medo de ser descoberta. Cada vez mais curta era a distância, e logo, parando.
- Algo aqui está estragado - Disse uma das vozes
- Cheiro de... Cachorro molhado. - Respondeu o outro, a menina fez uma careta, seria ela ?
- Ei! Não é minha culpa! - Ela tomou coragem e se levantou , respirando fundo e recuperando seu ar.
- O que ?
- Uma garota!
Tiraram de seus bolsos objetos metálicos e pontiagudos, aterrorizantes e intensamente atraentes. Adagas distintas , uma serrilhada e a outra lisa mas igualmente mortal, que refletiam os raios de sol metidos e ousados que entraram para a comemoração e cegar a menina. Antes disso, pôde notar que havia uma jóia na ponta da lâmina de um dos marinheiros. Pensar em roubo seria loucura em uma hora como estas... Ou talvez  não? Para muitos, sim. Mas para ela, que gostava de uma boa adventura para lhe retirar da fadiga, aquilo era somente um petisco. Um furto bem sucedido lhe renderia mais comida, pensou ela. Isto é... Se saísse viva  daquela inquieta situação.
Sangue se misturava com o calor do sol e as ondas dançarinas do mar,  alguém havia morrido.
A criatura levantou suas orelhas.

#CTC1

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