Um novo amigo, talvez?

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Um guincho, e a criatura deteve suas gigantescas patas ao sentir a mudança de temperatura em suas almofadas, olhou para a menina que estava a uns poucos centímetros de ser esmagada. Moveu sua cabeça a um lado, e seu focinho foi em direção a ela com atenção e cuidado. Sua enorme língua percorria o rosto da jovem com carinho, deixando-a completamente ensopada . A garota somente riu e deu uns tapinhas suaves na parte do rosto que por pouco alcançava. O monstro fez uma careta por ter em suas papilas degustativas o gosto estranho de poeira e água salgada. Fazia sons carinhosos com a demonstração de carinho da jovem

—Ei, poderíamos ser amigos, não é? - Disse a jovem, com um sorriso de orelha a orelha . A resposta foi um sim com a cabeça animado, o que confirmava que a criatura estranhamente entendia o que ela falava. Bom, ela tinha que sair dali de algum jeito. E a suposta amizade seria a desculpa perfeita para que ela pudesse recuperar a faca e encontrar algum navio ou coisa parecida para poder voltar a sua casa. Seu barraco, a única lembrança que tinha de sua mãe. Nem que parecesse gentil, iria retirar seu pensamento. Conviveu por anos com piratas e saqueadores, discutiu com homens da lei, matou todos os que se opunham a ela. Não queria admitir, mas um amigo até que caía bem nessas horas. Viu as árvores que os olhavam curiosas e risonhas , com seus galhos dançando com o vento que parecia sorrir. A criatura caminhou de forma pesada até um cantinho separado da fogueira e da garota ,se enrolando então em seu próprio corpo como um animalzinho indefeso. Se fosse menor , seria a coisa mais linda do mundo. Não dormiu, pois ficou olhando para a ruiva com seus olhos doces , que pareciam querer conversar com ela , ao reflexo das chamas , a menina se via cansada e sonolenta.
— Ei... Vou dormir com você.  — Se aproximou de seu companheiro e afundou seus braços e pernas no meio das patas do monstro. Foi abraçada logo então com carinho e cuidado. A fogueira continuava acesa , as chamas vermelhas eram dançarinas natas e os sons da noite eram uma orquestra fantástica e talentosa, fazendo a menina lembrar de seu lugarzinho na terra. As noites lá eram agitadas, tinha que garantir que não morreria pelas mãos de algum ladrão, ou que nenhum animal roubaria seus restos de comida, era uma vida difícil. 

O sol já estendia seu manto de luz pela floresta, as águas do mar brilhavam e refletiam com esplendor como se comemorassem sua própria exuberante beleza. As árvores e os pequenos bichos acordavam também, os pássaros com seus cantos , as lagartas esfomeadas e as flores exibidas. A menina abria os olhos com os primeiros vestígios de luz, enquanto seu companheiro ainda estava adormecido. Se levantou e foi até a fogueira já morta, as chamas acabaram sua exposição. Respirou fundo , e sentiu a magia do lugar, magia essa que existia somente nas histórias da mãe. O cheiro de orvalho fresco, a brisa carinhosa , odor de terra molhada e de rosas recém nascidas. A água salgada já lhe era familiar, o que foi de certo modo um conforto feliz.
Riu, e olhou para o monstro. Um brilho quis chamar atenção para si no canto do olho da jovem, assim fazendo-a se aproximar, e ao fazer isso viu... Era sua arma. A faca tão bem afiada que poderia cortar facilmente a carne de um lagarto, e matar um homem. Sentia fome, e fitou a criatura. Diziam que quanto maior o corpo, mais carne tinha, E a carne dele parecia deliciosa. Não a julgue , havia comido somente uma vez a iguaria desde a morte da sua mãe, e isto, em um caso extremo.
— Não preciso dele... — Disse para si mesma , caminhando até seu alvo. Apertava a bainha como nunca antes , e tremia. Poucos centímetros, e levantou seus finos braços com a lâmina. Se deteve por poucos segundos, e logo, um pensamento rápido passou por sua mente : " Seus olhos " . Oras, que tinha ele que não havia em tudo mais? Se perguntou, e automaticamente respondeu :
— Paz... — Sussurrou , e abaixou a arma . Sabia que era errado, não poderia fazer algo com quem lhe deu abrigo e sua casa, é como cortar a mão que te deu de comer.
Correu para dentro dos arbustos e caçou esquilos, larvas, frutas e algumas folhas. O lugar era rico em todo tipo de comida, o que fazia seu estômago comemorar de alegria, mais ainda do que no navio.
Se sentou na areia da praia juntando tudo o que havia conseguido e enrolado numa folha gigante de bananeira, ria feliz de seus lucros. Ah... O horizonte. Passou ao menos os próximos minutos o admirando, e lembrando o quanto gostava de navegar. Conhecia mais de navios do que qualquer um, e de piratas quanto todos os outros. Sabia do reino, histórias contadas somente pela mãe.

A criatura havia acordado, e ao olhar em volta sem ver sua nova amiga, se desesperou. Guinchos tristes e solitários, inquietude e atenção em suas orelhas pôde ouvir o suspiro de satisfação da menina. Se alegrou por tê-la viva , e correu até ela. O chão atrás de si tremia com seus passos rápidos, e seu pelo reluzia lindamente com o sol. Parou atrás de uma árvore, e fazendo um movimento, chamou a menina para a brincadeira.
— Grandão! Ei! Quer brincar, não? — A primeira risada sincera do dia, outro brilho de esperança nos grandes olhos. Moveu sua cola de um lado a outro, feliz.
Iria ter a primeira brincadeira desde eras.

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