O que vale mais que ouro?

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— Andem seus carniceiros desgraçados! Procurem pelo ouro em todo lugar, hoje teremos uma festa! — E segundos após isso, um estouro de canhão, que ao ser disparado abriu buracos por entre os grandes troncos das arvores. Algumas caíram sem seu equilíbrio, e outras, machucadas com seus pedaços arrancados gemiam de tristeza, visitas indesejadas, piratas. O monstro, assustado em um sobressalto se pôs em posição de ataque. A menina, com a ação brusca bateu a cabeça no chão, e querendo reclamar olhou para a criatura
— Oras! E o que foi agora? — Retrucou ela, coçando seu couro cabeludo. Outro disparo, e ela levantou-se também confusa. " Piratas " pensou, e então tudo fazia sentido. A taça e o anel eram dos bucaneiros e donos do barco, que talvez por algum infortúnio deixaram cair ao mar as jóias. Ela riu, correndo no meio das ervas, plantas e troncos rachados e tristes. Ficou atrás de um arbusto, olhando para os visitantes. Homens velhos e barbudos, dentes sujos amarelos e provavelmente com um bafo tão mortífero quanto seus rifles enferrujados. O capitão, um homem vestido com trajes típicos de piratas na época, com um colar feito inteiramente de ouro. Este mesmo carregava consigo uma jóia que brilhava fortemente ao ter os raios de sol refletidos nele.
Sua aparência remetia aos seus longos anos no mar, possuía um jeito de andar meio torto, não havia equilíbrio em seus pés. Todos eles caminhavam de forma que pareciam ainda estar no mar. Décadas em um navio, causavam tal efeito, pensava a menina, que os olhava com fascínio. Seu amigo gigante havia lhe seguido, para poder protege-la caso algo ocorresse. Todavia, nem ele próprio saberia se proteger contra aquelas balas de canhão, que para ele, eram pequenas, mas o assustavam como nada nessa terra.
— Procurem! — Outro grito por parte do capitão, que parava para olhar a vista que pensava agora ser sua, esticando sua grande barriga, rindo como o vilão que era.
Os marinheiros andavam com armas de fogo e facões, alguns com adagas e outros apenas com suas cordas. Seus rostos, ao serem vistos de perto, remetiam aos de animais. Achatados, gordos e feios. Possuíam focinhos, talvez cachorros. O monstro se distanciava da praia mantendo o silêncio, temeroso, cada passo era calculado. Agarrou com seus dentes a camisa da garota, de um jeito singelo e cuidadoso, para que esta se afastasse também. Sentia o problema, os espinhos em seu torso não paravam de tremer. Em um momento gruniu, ao ver que sua amiga se debatia para não afastar seus olhos dos piratas.
— Deixe disso grandão! Veja, eles podem me tirar daqui- digo, tirar nós dois daqui! Não quer? — Ela o fitou, mas viu algo nunca antes presenciado. O rosto de seu companheiro, antes gentil e doce, agora padecia de boas feições. Seus olhos assustados, seu corpo tremia, qualquer barulho o assustava. Soltou um guincho baixo, simplesmente para ela escutar. Apertou mais seus dentes, ao ponto de fazer tanta força que rasgou o tecido, deixando as costas da jovem à mostra. Apenas alguns centímetros lutavam para se manter juntos e não soltarem, evitando que a blusa mostrasse seus seios.
A garota então, envergonhada, se afastou do gigante, apertando suas sobrancelhas com raiva. Seu torso agora virado para o navio, deu um passo em falso, e caiu pelos arbustos. A queda propôs um jogo de separação, e rompeu o que sobrara dos fios que aguentavam a roupa. Teve de abraçar a si mesma, mas não pôde evitar receber os olhos carniceiros e esfomeados dos homens. Alguns ainda continuavam ali perto das águas, e o capitão, ao ver a garota, abriu seus olhos o máximo que pôde. Aqueles cabelos, ruivos e grandes, uma pele tão suave quanto o algodão. Seu corpo imaculado, intocado. Mas notou, que em seu bolso havia uma taça de ouro, aquela que havia roubado de sua falecida mulher, morta brutalmente na própria cama. Cobiça, isso possuía.
Vendo uma oportunidade, a menina se levantou e fez sua melhor expressão de tristeza.
— S-Senhores! Este monstro, me atacou! Vejam o que me fez! — E mostrou-lhes seus ombros, cintura e costas que agora estavam nus. Apenas  o que havia na frente estava protegido, mesmo com os olhares tão profundos, que pareciam querer tirar-lhe à força com seus dentes sujos.
O capitão, vendo ali não uma moça, mas um pedaço de carne tão somente, mudou o tom de voz para o mais carinhoso possível.
— Oh minha jovem, venha! Vou lhe dar roupas novas, ande, entre em meu navio! — E mandou alguns de seus homens irem buscá-la.
— M-Mas senhor! Como poderei saber se suas intenções são boas?
— Querida, vejo que em seus bolsos há uma coisa que me pertence. Que tal se fazemos uma troca? Isso é presente de minha mulher, que estando morta, é minha única lembrança dela... — E fingiu chorar, para que a outra pudesse empiedar-se dele.
— Oh ... — Pareceu funcionar. A jovem, tão astuta quanto uma raposa, deixou cair uma lágrima salgada. Seu plano estava andando com as próprias pernas, e isso a agradava. Seguiu os homens que fingiam uma falsa doçura, até o navio. Não parou para olhar seu companheiro gigante, que chorava e se debatia, havia sido capturado por um dos piratas que no momento ao ocorrido com os arbustos, levou sua atenção à ele. Cordas apertavam seu pescoço, navalhas corriam por sua espessa pele, machucando-o.
O capitão, Ao vê-lo, parou a menina
— Você o conhece? É seu amigo? — E ela, dirigindo seu olhos até a criatura com expressão algo assustada, mas sem deixar sua postura disse:
— Não.

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