Rastejando na chuva

2.1K 268 29
                                    

Não lhe parecia uma boa ideia correr de militares e homens de Bow Street naquela tarde, mas o que poderia fazer?

Desde o momento em que seu rosto foi reconhecido naquele pub, rosto que se encontrava em vários cartazes na cidade como "PROCURADO", sentiu que precisava correr, e fugir com urgência. Caso fosse pego, seria facilmente degredado para alguma colônia penal no fim do mundo, e o verdadeiro culpado pelo crime sairia impune, satisfeito e rico.

E ele sabia: o filho da mãe carregava não apenas um crime nas costas.

Correu em meio à chuva, que parecia ser a mãe de todas as chuvas, desviando-se dos transeuntes, das carroças, de crianças engraxates e velhos carregando sacos pesados, o dobro de seus tamanhos. A sujeira e a miséria que nunca lhe foram estranhas: o órfão estranho, diferente, sem o espírito Romani, era tratado como um pária por seu clã, e não demorou nada até ir embora e viver em fugas quando criança. Fuga de malfeitores que o queriam tornar salteador, fuga de homens da lei que se compraziam em bater nos pequenos, fuga da própria miséria até descobrir que a melhor forma de se livrar dos seus perseguidores era batendo, revidando.

Mas agora, não era mais possível essa estratégia: afinal de contas, os homens de Bow Street, os militares e até mesmo espiões estavam loucos para capturá-lo.

Ele era acusado de matar o segundo homem mais rico da Inglaterra: o duque de Huntington.

Oliver Bates estava doente há alguns anos, mas de acordo com os advogados e seu tio (e agora novo duque) Alwyn Bates, ainda estava bastante lúcido e mandão.

- Assinava documentos, dizia o que queria e o que não queria... – Alwyn respondeu às perguntas do policial Thomas Brenton, um homem baixo e atarracado, com um grande bigode marrom que parecia tomar todo o rosto, mas com um jeito rústico que atraía de forma esquisita as mulheres de seu círculo social – Estava bem. Estava bem, de verdade.

- O que aconteceu na noite do crime?

- Um dia antes... Um homem apareceu aqui... Oliver conversou com ele rapidamente e depois esse homem foi embora pisando duro. Mal-educado, sequer me cumprimentou. Perguntei a Oliver quem era; ele não era de falar com esse tipo de gente. Oliver estava aborrecido porque o tal homem estava a procurar um meio-irmão, um menino que nasceu de um relacionamento do falecido Gregory.

"De acordo com Oliver, ele disse que o tal homem diria onde estava o menino, mas apenas por muito dinheiro... Oliver já tinha pagado uma fortuna para achar esse menino, que seria bem recebido por mim. Ademais, sou um homem velho. Não tenho sequer animação para casar e encontrar uma esposa para gerar um herdeiro".

Thomas observou Alwyn: era um homem de cinquenta e poucos anos, ainda bastante forte e com presença elegante e aristocrática. Os cabelos loiros tinham discretos fios brancos nas têmporas. Não se parecia em nada com a descrição de "homem velho" que queria passar.

- Alguns dias depois, venho visitar Oliver, e descubro que o rapaz estava conversando com meu sobrinho...

- Quem? O investigador ou...

- O filho ilegítimo de Gregory. Seu nome é Dimitri Gray. Ele foi bastante taxativo. Não queria nada da fortuna, do título...

- Porque ele poderia ser considerado o novo duque?

- Sim... Oliver manifestou interesse em entregar-lhe documentos que o tornavam seu irmão, filho de Gregory. Mas ele não quis. Disse que iria embora, que recusava o dinheiro e o nome da família, e não mais voltaria. Compreendo: Gregory o recusou. Por que assumiria um nome e título vindo de alguém cujo pai lhe virou as costas? Oliver se entristeceu e seguiu em frente.

A Tempestade e a SerpenteOnde histórias criam vida. Descubra agora