Tempestade no sol

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Tempest não se recordava da última vez em que visitou a casa dos Blair em Grosvenor Square. Não conseguia se sentir bem naquele lugar; de fato, mesmo quando pensou ter sido acolhida pelas irmãs e o "pai", ainda havia um sentimento de não-pertencimento, talvez porque ela soubesse das circunstâncias em que veio ao mundo e como sua mãe falecera. Conseguia imaginar, em cada canto, do que ela gostava. Seu pai dizia que Elinor era uma alma sensível, curiosa, que tentava construir um mundo à parte para suas meninas e para si mesma, enquanto o entorno ruía. Pensava na mãe cuidando das flores nos fundos da casa, lendo para uma de suas irmãs pequenas ou costurando roupas bonitas para suas meninas.

Anthea dizia que ela tinha esse costume.

Não teve tempo de conhecer sua mãe, ela sequer pôde vê-la. Tempest não foi acarinhada, nutrida, não repousou nos braços da mulher que a concebeu. As memórias que tinha de Elinor eram emprestadas de todos: seu pai, irmãs, o tio. Entretanto, ela sabia de algo que ninguém tinha conhecimento: sua mãe era uma lutadora, uma sobrevivente. E aquilo foi legado a Tempest de alguma forma.

Elinor Blair lutou para que ela vivesse e a amou até o fim.

Respirou fundo, como em todas as vezes que entrava naquela casa, desde que o pai faleceu, quando tinha dez anos. Arthur Danglier pedia apenas que, em suas visitas à casa de tia Jemima, fosse sociável e amorosa: suas irmãs não tinham culpa de nada. Mas elas tiveram sua mãe, Tempest só possuía um quadro... E o rosto de Saffron, que parecia ter dentro de si o espírito de Elinor.

Bateu à porta, esperando a aparição de Robert – ao menos não precisava ter meias palavras com ele, que buscou tratá-la como filha diante de todos e em conversas a dois. "Ao menos a decência de assumir sua parte neste teatro ele sempre teve", a jovem pensou, arrumando o chapéu largo e deixando a trança cair sobre o colo. Mas quem abriu a porta não foi o tio, e sim sua querida irmã Saffron, viscondessa Aylesbury, segurando um lindo bebê.

- Pat, meu Deus! Que surpresa! - e buscou abraçá-la, mesmo com a criança nos braços. Assim que o menino ensaiou um choro, ela se afastou, dizendo: - Desculpa, Michael, desculpa, olha só sua tia, tia Pat, ela é uma mocinha bem alta...

Observou mais detidamente a irmã, e estranhou novamente a aparência da jovem: mesmo com sua indefectível calça de montaria, botas de couro e a longa casaca preta, em corte militar, ela não escondeu os cabelos – na verdade, tinha os deixado crescer, e desciam numa longa trança. Outra vez ela usava uma maquiagem leve nos lábios, e não conseguia entender as sutis mudanças em como ela se apresentava.

- Pat está aqui? - ouviram a voz de Robert, que apareceu na sala com alegria, seguido por Martin Hunt – agora o respeitável Leopold Carrick, visconde e membro do governo britânico - que não se furtou a cumprimentar a cunhada com um longo abraço.

- Tempest, que surpresa! Deveria ter nos falado que apareceria aqui, comprei uma nova coleção de facas que você apreciaria muito!

- Não quero ver minha filha envolvida com essas coisas violentas! - ralhou o barão, aproximando-se também para cumprimentá-la. Deu-lhe um caloroso abraço, que Tempest buscou responder da forma mais educada possível. Olhou para a jovem e tocou em seu rosto. - Estás bem, pareces corada... Acaso estás se maquiando? Para quem, Tempest? Quem é o cavalheiro? Não consinto que te relaciones com um janota qualquer antes de saber de quem se trata, se tem bom nome e não é um bêbado, um rufião!

- Calma, meu pai. Não estou maquiada. Precisamos conversar, trocar algumas ideias.

Martin conhecia a sua cunhada o suficiente para saber que ela não era partidária de uma conversa tola e simples – estava ali por alguma razão específica.

A Tempestade e a SerpenteOnde histórias criam vida. Descubra agora