anotação 22

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1927

Ah, Augusto! Se eu o tivesse lido antes, não sabes do que terias me livrado. Em verdade, devo confessar-lhe que ainda não descobri o que é mais prejudicial à vista do homem: a felicidade ou o sofrimento. Ainda não concluí qual dos dois é mais responsável por levar-nos ao tropeço, à desilusão, à irracionalidade. São tantos os caminhos errados que me pergunto se de fato existe algum caminho certo. É fácil separar o preto do branco... mas que se deve fazer quando tudo consiste em diferentes tonalidades de cinza?

O fato é que fui fisgado. Para o bem ou para o mal - se é que tais conceitos existem fora da mera interpretação pessoal -, meu coração encontra-se preso num anzol. Um anzol que conheci há dois meses. É em momentos como este que me pergunto o quanto à minha frente ainda posso enxergar. Qual seria a isca mais apropriada para nossa alma senão o amor? Somos simples peixinhos inocentes, e ele é o engodo persuasivo e arrebatador. Sim, não há outras palavras para descrevê-lo. Após pensar longamente, vi que "persuasão" e "arrebatamento" são as corretas. Pelo menos ainda possuo o discernimento literário, pelo visto.

Por mais transcendente que seja, experimentamo-lo a certo custo; claro, concessões sempre precisam ser feitas. Por mais que dois se juntem em um, as partes se tornam mais frágeis e vulneráveis. Seria prudente optar por isso? Digo, não seria mais cauteloso analisar as variáveis antes?

Muito engraçado... é um tanto masoquista e irônico ver a mim mesmo falando sobre optar e analisar o amor. Com isso, estou pressupondo que amar é uma escolha e, ainda por cima, passível de análise. O ofício de matemático de fato não me preparou para isso, mas também não creio que alguma coisa seja capaz de tamanha tarefa.

Li, um dia desses, um livro russo bastante recente. Nele, a felicidade era matematicamente equacionada e calculada, e as providências eram tomadas para que esses cálculos fossem devidamente aplicados à realidade. Tudo estava em perfeita ordem e quietude. Ainda assim, o amor acontecia. As equações eram desbalanceadas, as séries infinitas divergiam, as derivadas desapareciam... tudo causado pelo surrealismo e selvageria do amor. Não seria ele, portanto, um agente redutor da felicidade?

Mesmo assim, mesmo assim... já são quatro da tarde e eu a quero em meus braços novamente. Suplico pelo seu toque, pela persuasão, pelo arrebatamento. Quero tudo de novo. Não está nessa própria imprevisibilidade o néctar do amor, o sumo do Paraíso? Não importa, nada importa, eu a amo e a quero.

Mas... deveria? A lógica e a matemática nunca estão erradas. Que se pode dizer de um escravo que implora para ser subjugado pelo seu senhor, sabendo ele seu destino final? Que se pode dizer de um peixe que clama por seu anzol, tendo a plena convicção de que não sabe respirar fora d'água?

Cada parágrafo escrito nesta folha dura dias para nascer, e matura por muito mais tempo dentro de mim. Estas palavras são minha única certeza, meus únicos axiomas.

Ponderei por mais tempo, Augusto. Agradeço-lhe pelo apoio emocional, ainda que indireto. Não tenho trabalhado direito, tampouco sido quem eu costumava ser. Meus cálculos saíram de controle. Tenho variáveis demais, e premissas de menos. Não há como chegar em nenhuma conclusão. Será preciso deixar o tempo solucionar parte deste mistério por mim. Infelizmente, também está fora do meu alcance saber a natureza dessa solução. Se será malévola ou benéfica. Porém, preciso saber a todo custo. Não posso permanecer na dúvida, é necessário que o conhecimento me ilumine! Parafraseando o livro que li, "o desconhecido é organicamente hostil ao homem".

Mas uma coisa posso afirmar: para quem se alimenta de corações, um beijo é a isca perfeita.

[bait.]

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