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Cinco musicas, era o que eu levava para ir da minha casa até o meu trabalho, um pequeno café na parte antiga da cidade.
Seis passos, da bancada de atendimento até a maquina de café.
Ela sentava a dezesseis passos de mim, na mesa do canto embaixo da janela com vista para o parque.
Essa era a minha rotina a pouco menos de um ano, todas as semanas eu observava a garota de cabelos negros que chegava, apagava o cigarro no cinzeiro do lado da porta, se dirigia até a bancada para fazer um pedido sempre diferente do da semana anterior, sentava na mesa e tirava um caderno de capa preta da mochila. Assim começava mais um dia, sempre uma media de uma hora e meia até o seu recorde, dia 18/11, em que ela saiu de la no inicio da noite, após sete horas com incansáveis rabiscos e palavras jogadas nas folhas antes vazias.
Era só mais um dia enquanto eu esperava a chegada dela em outra sexta-feira. O céu estava com um aspecto chuvoso, as nuvens negras sobrevoavam o café de uma forma ameaçadora, e o movimento la dentro não estava muito alto.
Mas naquela sexta ela não apareceu,  o que aconteceu foi que a garota com quem eu estava saindo, Johana, me esperou do lado de fora do café com um discurso ensaiado para dizer que ela não queria mais nada comigo, citando suas palavras "eu passava muito tempo ensaiando, minha casa era uma bagunça, ela não tinha a atenção necessária e por mais que o sexo fosse bom ela precisava de mais do que isso para ficar"
Eu dei um sorriso, falei que estava tudo bem e qualquer coisa ela tinha o meu numero e podia me ligar a qualquer hora, qualquer hora mesmo. Ela sabia que eu quase nunca dormia muito.
Era o fim do expediente e eu prendi o meu cabelo em um coque, desde que as mechas escuras tinham crescido para baixo do meu ombro aquilo tinha se tornado um hábito para evitar que ele ficasse caindo no meu rosto o tempo todo.
Vesti a jaqueta de couro preto e fui em direção ao meu apartamento embaixo da chuva. Cinco musicas. Tempo suficiente para chegar encharcado no kitnet que eu costumava dividir com um amigo, ele tinha saído de lá a cerca de cinco meses, ninguém nunca aguentou o meu hábito de dormir pouco e passar a maior parte do meu tempo fazendo coisas consideradas inúteis ou que não trariam nenhum resultado futuramente (segundo eles) por muito tempo. Tudo bem, eu não os julgo, às vezes eu me pego perguntando como eu ainda não cansei de mim mesmo.
Entro no pequeno apartamento, penduro a minha jaqueta no gancho grudado na parede torcendo pra que ela seque em no mínimo dois dias, me pego parando na frente do espelho de corpo todo que fica perto da porta, encarando a minha fisionomia por alguns segundos. Os olhos verdes escondidos atrás do cabelo negro e molhado que se soltou do coque durante o caminho, mandíbula marcada, lábios levemente carnudos, tatuagens cobriam quase todo o meu braço direito, uma ou outra no esquerdo e nas mãos, e ainda tinham algumas escondidas sob a roupa. Desço os olhos, camiseta preta, jeans rasgado, corturnos pretos, eu realmente parecia um delinquente, a minha mãe não teria muito orgulho de me ver assim.
Giro sobre os calcanhares e vou em direção a cama de casal posicionada no outro extremo do apartamento. As paredes pichadas e com desenhos e pinturas que eu comecei a deixar por ali desde o dia em que o dono do local me fez a proposta de parar de pagar o aluguel mensal, e comprar o local para mim. Minha guitarra preta apoiada na caixa de som em um canto e outras duas penduradas na parede, elas não saiam de lá fazia um tempo, as duas estavam velhas e inúmeras pessoas já me disseram para vendê-las, na verdade eu ia conseguir um bom dinheiro, mas a história que elas carregavam só nunca me deixaram abrir mão delas. 
Me jogo na cama e fico olhando o teto com algumas estrelas que brilham no escuro grudadas nele, a minha irmãzinha tinha feito questão de colocar elas lá. Já fazia um tempo que ela não ia me visitar. A luz apagada, os carros buzinando do lado de fora e a chuva caindo com força no telhado, meus olhos se fecham aos poucos.

Por que ela não tinha ido hoje?

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⏰ Última atualização: Oct 10, 2019 ⏰

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