VI
Três... dois... um...
Não, espera. Agora vai. Três... dois... um...
Não é possível que uma cancela leve tanto tempo assim para abrir. Quando ela enfim abre, libera dezenas de pessoas ao mesmo tempo, se aglomerando rampa acima pelo ferry boat. Deixo que muitas delas passem por mim e fico mais para trás. É meu primeiro dia de aula e detestaria me atrasar, mas não o suficiente para me embrenhar em uma multidão.
Meus últimos passos sobre a plataforma de metal me levam até a saída da embarcação, direto ao trânsito acelerado da avenida. Carros, motos, bicicletas e outros pedestres disputam minha atenção, mas quem procuro ainda não encontrei.
Uma fachada rosa e roxo se destaca entre outros estabelecimentos comerciais. É só ler o nome da loja de departamentos que o jingle pegajoso que o acompanha já gruda no meu cérebro. Urgh. Mas eu não poderia encontra-lo em outro lugar.
Encostado na vitrine com manequins em clima de carnaval, pelo ondulado do cabelo castanho que insiste em lhe cair pela testa, mesmo de longe eu o identifico:
Alex Soares, meu melhor amigo no mundo inteiro. O cara por quem eu faria coisas que não faria por mais ninguém. O cara em quem eu confio com a minha própria vida. O cara com grande parcela da responsabilidade por eu estar aqui hoje.
E o ridículo ainda não me viu. Assobia a música da loja e só tira os olhos da vitrine para acompanhar uma mulher descer a calçada como se fosse o evento mais interessante dessa cidade desde que ele se mudou para cá. O que, na real, não duvido que seja.
Chego ao outro lado da rua a tempo de impedir que ele cometa a calhordice de virar o corpo para continuar admirando a mulher passar.
— Ei! — digo. Ele leva um susto ao me ver já tão perto. — Sem essa de secar mulher na rua. Não aprendeu nada do que eu te ensinei?
— Um pouco difícil aprender alguma coisa quando nem a professora segue os próprios ensinamentos.
Alex cruza os braços e me observa enquanto também acompanho a tal mulher indo rua abaixo. Os detalhes são bem agradáveis. Nada mal, nada mal.
Quando me dou conta do que meu amigo disse, dou um tapa em seu braço com as costas da mão e arranco seu sorrisinho vencedor.
— Vem — indico na direção oposta —, não precisamos agir como dois machistas nojentos em pleno centro da cidade.
— Não — arremata Alex. — Vamos deixar isso para o espaço seguro de nossas casas.
Nossos sorrisos e passos se alinham enquanto seguimos até o ponto de táxi. Com meu braço passado por dentro do de Alex, que é bem mais alto do que eu, ele me questiona:
— Quando é mesmo que teremos a sua maravilha moderna da ciência automotiva de volta?
— Amanhã no final da tarde. — A lembrança de que em breve terei meu Jeep Wrangler de novo em mãos me deixa bem feliz. É difícil sim me separar dele, pode me julgar. — Aí não vamos mais ter que usar carros alheios com estofados em níveis questionáveis de higienização.
Em frente aos taxistas aguardando clientes, sentados em bancos de madeira com tinta gasta, Alex tira o celular do bolso. Ele abre o aplicativo de transporte e, alguns toques depois, um carrinho branco começa a deslizar pelo mapa na tela.
— "Seu motorista chegará em três minutos". — Ele aponta para a direção em que devemos esperar que nosso veículo surja.
Sim, acabamos de chamar um transporte particular em frente aos motoristas de táxis. Não comentamos nada, mas ambos nos sentimos muito hardcore e burladores do sistema. Estamos satisfeitos.
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Quase Sem Querer
RomanceVocê sente sua música? Ganhar essa aposta vai ser fácil como ouvir a mais tranquila das canções: Virginia só tem que se aproximar de Kim (alguém que, antes de seu primeiro dia de faculdade, ela nunca havia visto), trocar uns beijos com ela e provar...