BEVERLY
Com o que acabei de concordar, meu Deus?
A besta-fera encara meu irmão e eu. Gigantesca e respirando com força, seus olhos arredondados acompanham cada movimento nosso.
A alguns passos de distância, nosso pai observa a cena. Ele sorri com sua câmera fotográfica segura nas mãos, próxima ao rosto. Não quer perder o click do momento em que vou avançar sobre a criatura.
A criatura é um cavalo marrom sem sela. Tem o nome de Arisco, pois foi isso que meu pai disse que ele era quando o trouxe para casa, há alguns meses. Ele já não é tão digno do nome agora, mas seu comportamento arredio, seus coices e relinchos, foram o suficiente para que eu não queira fazer o que estou prestes a fazer.
Meu corpo treme e sinto o suor nas palmas das mãos. Preferiria estar em qualquer outro lugar, até mesmo em casa, ouvindo os lamentos de minha mãe ou tendo que ajudar meu irmãozinho Felix em suas tarefas bobas do jardim de infância, a ter que montar o cavalo. Arisco também não parece muito disposto a estar aqui, sob o sol a céu aberto.
— Anda, Beveuly! — ordena meu irmão, pronunciando meu nome de forma errada, como sempre. Ele tenta subir nas costas do animal, mas seu corpinho de quatro anos de idade não tem altura nem força para isso.
— Ajuda ele, Bev — pede nosso pai, aguardando com sua infinita paciência enquanto ofereço apoio com as mãos para Felix.
Ele consegue se erguer e se senta com uma perna em cada lado do dorso de Arisco. O cavalo mal se movimenta, com exceção das orelhas e do longo rabo cor de creme, mas a respiração continua forte, expandindo suas costelas.
Dou um passo para trás, com medo, e cubro os olhos com a mão para bloquear os raios do sol. Felix está radiante sobre o cavalo, o imenso céu azul-claro como pano de fundo. Agora é minha vez e não sei como farei para montar também. Sem cela, não há ponto de apoio.
Meu pai tinha sugerido que eu puxasse um dos banquinhos de madeira para perto para poder subir no cavalo, só que me parece muito arriscado. Com a movimentação de Felix, Arisco pode sair do lugar enquanto eu subo. Ou coisa pior.
Não quero morrer aos treze anos de idade, pisoteada por um cavalo.
O cabelo escuro de meu pai voa com o vento e os ramos da vegetação batem em suas pernas, na altura dos joelhos. Sua expressão muda ao ver meu rosto aflito, fica mais gentil. Ele baixa a câmera.
— Filha... — fala devagar. — Você concordou.
Não querendo decepcionar, abaixo a cabeça. Logo ele fala outra vez:
— Tá bom, não precisa subir. Fica só aí perto.
Ele levanta a câmera, posicionando-a nas mãos, e respiro bem mais aliviada. O sorriso volta ao rosto do meu pai e a cena é clicada, eternizada mostrando-me meio encolhida na frente de Arisco, Felix gargalhando feliz com os braços abertos para o céu, e o cavalo olhando para o lado oposto, provavelmente tentando entender o motivo de tanta baderna. Ao menos é assim que a imagem se forma na minha cabeça.
A verdade é que se meu pai tivesse esperado um pouco mais, eu acabaria subindo no cavalo atrás de Felix. Faria qualquer coisa para arrancar aquela rara gargalhada dele.
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A noite, afinal, chega em nosso rancho. Termino de colocar a mesa para o jantar, com o tacho de feijoada ao centro. Os quatro pratos de alumínio estão postos, junto com os talheres desgastados. Felix, de joelhos em sua cadeira, se inclina sobre a mesa para ver o conteúdo dos potes e panelas.
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Quase Sem Querer
RomanceVocê sente sua música? Ganhar essa aposta vai ser fácil como ouvir a mais tranquila das canções: Virginia só tem que se aproximar de Kim (alguém que, antes de seu primeiro dia de faculdade, ela nunca havia visto), trocar uns beijos com ela e provar...