Joalheiro

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Meus filhos não estão enganados quando dizem que eu vivo no mundo da lua. Por falar em filhos eu já disse que é mais vantajoso cultivar plantas em vez de procriá-los? Ou, no caso, adotá-los? Se não disse, estou dizendo.

Por causa de tudo que os meus filhos aprontam, às vezes eu bem que queria morar no mundo da lua mesmo. Ou em qualquer outro lugar onde não fosse crime cravar um machado no meio das ideias, sempre do avesso, de alguém. Por que o código penal é tão cruel comigo? Sabia que ele não nos proíbe de matar plantas? Plantas são ótimas!

Os nós dos meus dedos chegam a ficar brancos de tanto que estou apertando o volante, imaginando que é uma garganta no lugar. Mas que vontade que me deu agora de puxar uns trinta anos de cadeia! Eu explico o motivo:

Acabei de pegar um dos meus bambini no pulo, quebrando uma das minhas regras. De novo.

DE NOVO!

Essa peste bubônica nunca aprende!

Por que eu quis ser pai, cazzo?

Porque não arrumei um hobby, como sei lá... Crochê! Eu seria bom fazendo crochê. Tenho mãos habilidosas. Mãos habilidosas que sabem bem como enforcar alguém. Sei até dar fim em um corpo. Apendi no "CSI Miami".

Esqueci meu celular no ateliê e voltei para pegá-lo, porque amanhã de manhã viajo a trabalho para a terra da rainha e odeio não estar em contato com os meus quatro terroristas. E se acontecer alguma coisa? E se um deles precisar de mim? E se o pestinha for preso? Quem tem filhos não pode se dar ao luxo de andar sem celular, ainda mais se forem como os meus. Era quase onze horas da noite quando tornei a fechar a Benite's e subi a rampa do estacionamento, planejando vestir meu pijama de coelhinho assim que chegasse em casa. O plano era ler até o sono chegar.

Foi aí que aconteceu.

Quando parei na guia, a fim de esperar uma brecha no trânsito para entrar na Florata, pensando em reler Romeu e Julieta. Sem querer, meus olhos se desviaram para o outro lado da rua, onde avistei dois dos meus terrores noturnos chegando da corrida que fizeram juntos. Um hábito saudável que Romeo tentou incutir em todo mundo, no entanto só deu certo com o Átila. Não que o neném gostasse da corrida, no início não gostava, mas sempre foi maluquinho por seu fratello. Ele queria agradá-lo, queria ser sua companhia. Foi assim desde o início. O neném grudou nele feito uma cola e posso afirmar, com certeza, que, de todos os seus fratelli, a peste é aquele a quem mais respeita. Sua reação, quando entende o que está acontecendo, ilustra bem isso. Está na cara do neném que não gostou, mas ainda assim não abriu a boca. Já eu tenho muito a dizer.

Na realidade, eu queria gritar.

Romeo podia me respeitar, assim, como ele. Eu que não acharia ruim!

Átila se despediu dele, abaixou o olhar e entrou, a passos largos, no Souza's Pallace. Esse não me dá mais um pingo de trabalho, depois que casou.

Ele está muito ocupado fazendo "vocês sabem o quê" com a esposa.

Nossa Roberta.

Romeo, por sua vez, caminhou até a Tais, recostada à sua espera na porta de um táxi que, como o ensinei a fazer, foi meu filho quem abriu a carteira para pagar. Agora estou aqui, assistindo os dois entrarem no prédio agarradinhos, rindo de alguma coisa que a maior loucura que cometi na minha vida sussurrou no ouvido dela enquanto tenho um princípio de infarto.

Eu queria poder me enganar dizendo a mim mesmo que tem um motivo coerente para os dois estarem se encontrando fora do horário do expediente, mas a mão que espalmou no traseiro dela me impede. No traseiro!

Todos os beijos que roubei - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora