Pesadelo

82 19 2
                                    

Sara caminha solitária pelo pátio principal do castelo, observando os blocos rachados pela luta de Cassis e Zino, como se os visse pela primeira vez. O dia estava nublado e escuro, as torres de vigia ocultas por uma estranha neblina que se recusava a baixar até o solo, e isso a preocupava. Ela havia procurado sua família em toda parte, tinha olhado até mesmo no tenebroso calabouço e não encontrado ninguém, nem mesmo os soldados ou os criados. A construção estava deserta.

O clima aparentava estar frio, mas, de uma forma bastante estranha, a princesa não sentia nada além de solidão. O silêncio profundo repentinamente é cortado pelo som de passos, fazendo seus olhos se voltarem para trás e avistarem, com surpresa, a imagem de Richard correndo em sua direção. Ele estava alegre e agitado como sempre fora, com o sorriso se alargando de orelha a orelha e diminuindo o tamanho de seus olhos castanhos.

Sara estende os braços, sentindo um sorriso triste nascer em seus próprios lábios e as lágrimas brotarem de seus olhos, tamanho era o aperto em seu peito. Ela não o via há tanto tempo, que seu coração desejou ardentemente o que eles jamais haviam trocado entre si durante toda a vida: um abraço afetuoso. Contudo, antes que suas mãos pudessem alcançá-lo, garras horríveis lhe seguram as roupas, prendendo-o num abraço apertado enquanto duas presas cintilantes lhe mordia o pescoço, matando-o no mesmo instante.

Não era possível ver o rosto da criatura, apenas as mãos abomináveis, os dentes salientes e seus arrepiantes olhos brancos e brilhantes, como se o resto de sua fisionomia estivesse oculta por uma névoa. Ele a encara fixamente, deixando o corpo de Richard desabar como uma planta morta e fazendo-a constatar o óbvio: ele era um vampiro e, naquele momento, queria feri-la.

Um raio de ciência lhe acerta repentinamente. Como se a princesa estivesse totalmente desperta, ela reconhece toda àquela situação como sendo um pesadelo, o mesmo que a perturbava desde o incidente em seu noivado. O vulto abre sua boca, emitindo um som gutural que arrepiou todos os pelos de seus braços, antes de andar em sua direção.

Sara recua alguns passos, indefesa, e se desespera ao ver o rei surgir no pátio deserto e avançar contra o vampiro com uma espada em punho, tentando protegê-la. Ele golpeava o corpo enevoado do inimigo sem sucesso, sendo ferido de volta pelas garras grotescas do imortal, que logo lhe acertam a garganta e lhe arrancam um pedaço de carne, fazendo-o cair ao chão, morto e ensanguentado.

A princesa sente o nó formar-se em sua garganta e não consegue conter um grito horrorizado, pois, por mais que já tivesse visto aquela cena em outras noites, nunca deixaria de se angustiar pela morte do pai e de se chocar com aquela cena tão violenta. Seu grito pareceu atrair a fera, como em todas as outras vezes em que tivera aquele pesadelo, e o vampiro avança em sua direção para arrancar-lhe a vida, fazendo-a girar em seus calcanhares e fugir, cheia de pavor.

O medo da morte era inevitável até mesmo em sonho, mas... Espere! Que cena era aquela?

Mesmo sendo uma sonhadora consciente, Sara não se lembrava daquela parte do pesadelo, onde colide em algo que a envolve confortavelmente, proporcionando-lhe uma estranha calma. Os braços ao seu redor se mostravam afáveis e gentis, porém, ainda assim, a humana se recusava a abrir os olhos e encarar o seu dono.

― Estarei aqui para você, sempre! – entoa a voz grave, acalmando-a.

Sara ergue o olhar para o rosto de Cassis, reconhecendo sua voz no mesmo instante, consequentemente se surpreendendo com a campina que os cercava e o Sol que brilhava forte no céu. A paisagem parecia impecável e natural, como se nenhum ser humano a tivesse tocado durante toda a vida e isso a encantava.

Os braços que carinhosamente a envolviam se afrouxam, deixando-a livre para apreciar o cenário. Sara avança alguns passos, afastando-se ligeiramente de Cassis, esquecendo-se da ameaça de outrora como se nunca houvesse existido. Algumas espécies de pássaros cantavam numa árvore próxima, enquanto um ou outro animal que ela conhecia pastava tranquilamente, como se sua presença não representasse perigo.

Cassis (Série Alestia I)Onde histórias criam vida. Descubra agora