Histórias De Terror

Nietzsche

 18 de outubro de 2016

A QUEM POSSA INTERESSAR:

Eu já não aguentava mais aqueles gritos e pedidos sem coerência, tive que abdicar da minha vida social, de sair com meus amigos ou ter uma namorada, trazer qualquer garota para casa ou o que fosse

Sabe, Nietzsche já escreveu algo sobre o suicídio de idosos, lembro que quando li aquilo me marcou, foi como uma cicatriz que me fez perceber o estado em que eu estava. Aforismo 80 do livro "humano, demasiado humano".

"Abstração feita das exigências que a religião impõe, pode-se muito bem perguntar: por que haveria mais glória para um homem que envelheceu e que sente o declínio de suas forças, ficar esperando seu lento esgotamento e sua dissolução do que ele própria se fixar, em plena consciência, um fim? O suicídio é neste caso um ato de todo o próximo e de todo natural que enquanto o triunfo da razão, deveria equitativamente suscitar respeito: e até o suscitou naqueles tempos em que guias da filosofia grega e os mais corajosos patriotas romanos costumavam morrer por suicídio

Pelo contrário, é muito menos respeitável a ânsia de prolongar de dia para dia por meio da inquieta consulta dos médicos e o mais penoso regime de vida, sem força para chegar mais perto do próprio termo da vida

As religiões são ricas em expedientes contra a necessidade do suicídio: é um meio para se insinuar junto daqueles que estão apaixonados pela vida."

Eu acho que eu seguiria o aforismo 88 a risca se ele decidisse seguir o 80

Disse Nietzsche "Há um direito que nos permite tirar a vida de alguém, mas não há nenhum que nos permita tirar dele a morte: isso é pura crueldade"

Eu ansiava que a morte dele vinhesse rápido, que o mais rápido possível ela batesse na minha porta e dissesse "vim buscá-lo" e eu sem pestanejar abriria todas as portas e janelas da minha casa para ser agraciado com aquela benção, para que todos pudessem perceber minha felicidade. Faria o máximo de silêncio possível para escutar o bater de asas da morte e iria repetir como um mantra "algumas pessoas morrem para dar vida as outras"

Muitas mães de dependentes químicos devem saber como é esse sentimento, esse sentimento. Esse "ensinamento" deve estar pregado em suas carne, quem sabe em suas mortes elas devem ficar tão felizes como no dia do nascimento. Quem sabe algumas delas devem achar o velório uma festa, uma festa que não só finaliza o sofrimento delas mas como o sofrimentos de seus filhos

As vezes quando ele chorava eu pensava, "só mais um pouco, só mais um pouco, vou deixar ele chorar mais um pouco. Talvez quem sabe ele engasgue e morra, a culpa não seria minha, eu não poderia ter feito nada para salvar sua vida.", eu tinha esperança que se eu o deixasse chorando aquilo diminuiria seu tempo de vida

Quantas vezes eu pensei em colocar veneno naquela comida e quantas vezes eu desisti, não completamente por ser um covarde e ter certo medo de matá-lo, mas por saber que conseguiriam me culpar, por saber que eu iria preso, eu não queria esse trágico fim para mim, nunca quis.

Eu queria saber quantas vezes eu ignorei seus pedidos? Quantas vezes eu fui julgado por pessoas completamente alheias a minha situação? Em fato elas também deveriam morrer, acho que se eu pudesse matar todas sem deixar nenhum vestígio para traz, eu sem pensar duas vezes o faria

Eu não lembro ao certo quando eu comecei a aceitar que eu queria que ele morresse, foi um período dividido em etapas, no começo eu me culpava me julgava e sentia vergonha de mim. No final eu apenas sentia nojo dele e rezava, rezava para que ele morresse logo

Sabe, é engraçado, quanto mais eu penso nessa situação mais eu me dou conta dela, não sinto remorso, sinto até orgulho, orgulho de ter realizado meu desejo, mesmo que alguns julguem, digam que isso é profano, eu apenas desejo que eles continuem com tal pensamento e nunca passem pelo que eu passei