Estradas

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A noite na floresta é muito fria, o que me faz pensar se morrer queimado ou congelado é mais agoniante. Alguma organização fazia testes do tipo, colocava pessoas peladas em ambientes frios mas não sei ao certo. Acho que realmente as piores formas de morrer foram criadas pelos humanos, uma que me recorre era uma que era usada por povos medievais onde colocavam um rato em um balde com abertura para a barriga do prisioneiro, aqueciam o balde e o rato procurava uma maneira de fugir do calor cavando e roendo a barriga. Realmente deveria ser uma dor excruciante.
  
Crucificação também deve ser outra maneira horrível de morrer, consigo lembrar o nome de uma dúzia de torturas que li em livros de histórias
  
Em fato a bíblia é uma coisa meio controversa, as vezes chega a ser esdrúxula e um pouco assustadora, pessoas sendo queimadas em óleo e até incesto
  
Agora me dou conta que deveria estar em uma viagem rápida, de uma hora ou duas mas já passei das três horas na estrada. Entrei em um caminho errado ou algo do tipo, meus olhos insistem em querer fechar. parar na estrada e fechar os olhos por alguns momentos provavelmente é o melhor que posso fazer, dormir algumas horas e depois continuar
  
Sempre fui cético e acho engraçado como a floresta insiste em tentar enganar meus olhos como se existissem homens na escuridão durante toda a estrada olhando para mim, alguns parecem extremamente reais mas deve ser só meus olhos me pregando peças pelo cansaço
  
Meus braços estavam leves e os olhos pesados, dormi no volante por alguns segundos. Tentei resistir por mais algum tempo mas meus olhos pesavam muito e eu não via nem sinal de qualquer cidadezinha
  
Senti a garganta seca, tomei água da garrafa que eu tinha, sempre tive costume de levar garrafas de água para todos os cantos. Parei o carro. O carro era muito confortável então dormir não era um problema, o maior problema era a escuridão. Não conseguia ver nada ao redor e a luz da lua iluminava minimamente, a escuridão era muita. Nunca gostei do escuro, desde pequeno, então dormir naquele local me incomodava muito, mas não tinha o que fazer. O cansaço era tanto que quase não me importava
  
Assim que fechei os olhos praticamente desmaiei, acordei algumas horas depois com vontade de urinar, acho que tinha bebido muita água, liguei os faróis do carro e fui, a luz era reconfortante, me sentia menos cansado e que já poderia dirigir
  
Abri a porta e dei alguns passos até as árvores, a luz do carro era forte então não tinha problema, não sentia tanto medo. Eu rapidamente voltaria para o carro, segui até às árvores, olhei ao redor, não vi nada, apenas a escuridão intocável. Até que escutei uma respiração, uma leve e afável respiração, de alguém cansado ou talvez exausto como se tivesse corrido uma maratona. Não consegui parar de andar quando escutei a respiração, minha ação já estava sendo realizada, até que senti que chutei algo por acidente, não algo como uma pedra ou um tronco, algo macio mas que tinha sua consistência, como se eu estivesse chutando uma pessoa, jogando futebol com uma cabeça.
  
Meu peito explodiu e meus batimentos aumentaram, não olhei para baixo, fiquei paralisado até que eu senti novamente, alguma coisa segurou no meu pé, um aperto não forte mas também não fraco, como se um bebê de mãos gigantes estivesse segurando minha perna. A mão me puxava para trás, tive medo de olhar o que era. Eu poderia muito bem continuar meu caminho como se nada tivesse acontecido, voltar para o carro e tentar chegar na cidade, eu ia ter uma história para contar e para todos rirem.
  
Mas meu olhar começou a descer com uma curiosidade travessa, no fundo eu sabia que estava fazendo algo errado e que depois pensaria "eu sabia que não deveria ter feito isso" mas meu olhar continuou a descer até que eu vi
  
Era um cadáver em decomposição, ou deveria ser um cadáver, aquilo deveria estar morto a semanas, na cabeça não tinha carne e várias larvas pulsava, não tinha uma parte do crânio, o cheiro pútrido que exalava era absurdo e fez o vômito subir na minha boca, aquilo se arrastava pelo chão, quando eu prestei mais atenção conseguia escutar o ar entrar e sair dos pulmões daquilo. O filha da puta estava respirando, aquela merda estava viva
  
Quando puxei meu pé o braço segurou com mais força e com mais força eu puxei o pé, a mão dele cedeu e eu corri, corri com todas as minhas forças até meu carro
  
Sentei no banco acolchoado e sai rapidamente, "essa vai ser realmente uma boa história" pensei enquanto andava em alta velocidade.
  
Após algo em torno de meia hora eu cheguei em uma cidade, ela tinha essa nevoa estanha e densa que não me deixava enxergar direito. Continuei andando com o carro e passei em uma ou duas lombadas. Vi uma silhueta mancando até próximo do meu carro. A silhueta ficava mais clara a cada momento, comecei a abaixar o vidro do carro para pedir informação
  
Quando eu consegui enxergar claramente vi que era mais um "morto", dessa vez mais decomposto, comecei a levantar o vidro do carro, parecia que estava levando uma eternidade mas finalmente fechou
  
Ele chegou na porta e simplesmente ficou se batendo lá, ele ia para trás e voltava, ia para trás e voltava, batendo na porta do carro. Pensei em voltar de ré mas consegui ver outra silhueta
  
Coloquei o pé no acelerador e sai sem pensar, a cidade não parecia acabar, era como se eu estivesse na porra de uma megalópole que surgiu do nada, logo não consegui mais ver silhueta
  
Percebi uma mosca dentro do carro, "ela deve ter entrado quando abri a janela" pensei no momento, abri o mínimo possível e consegui colocar ela para fora com algum esforço
  
Quando ela saiu fechei a janela, não queria correr nenhum risco
  
Comecei a escutar umas leves pancadas na janela traseira, quando olhei várias moscas estavam voando em velocidade suicida, pintando minha janela com seus corpos. O barulho que era pausadamente logo ficou rápido, como se metralhadoras estivessem atirando ou eu estivesse em uma chuva muito forte, quando olhei novamente minha janela estava totalmente enegrecida como se estivesse sido pintada
  
Quando percebi duas moscas estavam dentro do carro novamente, meu pavor aumentou e novamente segui com o carro, a névoa não ajudava e as moscas não paravam de bater no vidro mesmo eu indo o mais rápido possível
  
Em um rápido momento vi que as moscas que antes eram só duas tinham virado quatro
  
Senti algo entrar na minha orelha e se rebater lá dentro, uma dor aguda no meu ouvido, como se alguém o estivesse destruindo por dentro
  
Perdi a noção de direção por um momento e bati o carro em alguma construção
  
Perdi a consciência por alguns segundos, quando voltei todas as janelas estavam pretas, como se tivessem sido pintadas
  
Abri a boca por um instante e vi uma mosca sair de lá, uma simples mosca
  
Escutei algo batendo nas portas traseiras do carro e um desconforto na barriga, senti algo remexer nas minhas entranhas, algo que subia e chegava a minha garganta
  
Senti algo remexer pela minha boca e dentes, abri a boca e mais outra mosca saiu
  
Senti meus ouvidos serem tampados e repentinamente minha garganta também
  
O sentimento de algo remexendo na minha barriga aumentou e aumentou até que milhares de moscas começaram a sair da minha boca e ouvidos
  
Meu ouvido parecia que estava sendo comido e a minha barriga aumentava como se eu estivesse empurrado comida nela, sentia as moscas na minha cabeça, rebatendo dentro do meu crânio, as pancadas nas portas do carro, a dor era imensa. Como se meu corpo estivesse sendo destruído de dentro para fora
  
Em um pequeno espaço do vidro do meu carro eu consegui ver lá na frente, uma mulher, simplesmente parada.

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⏰ Última atualização: Nov 17, 2020 ⏰

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