02. Trezentos e sessenta e cinco dias;

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Paris, França
2015

Entre a cascata de fios loiros e escorridos, a expressão outrora simpática, se transforma em um descontentamento puro. A francesa gira suas orbes claras antes de voltar a encarar-me com sua melhor feição de desdém. Seu corpo, no entanto, se recusa a sair de cima de mim, permanecendo imóvel, com as pernas longas e pálidas posicionadas uma em cada lado do meu quadril. Alícia não sente vergonha alguma em ser vista da forma como veio ao mundo, completamente nua. E eu gosto muito disso, pois ela não se acanha sob meu olhar que agora escorrega de seus seios pequenos até a tatuagem na virilha, antes de retornar ao seu rosto bonito.

— Tu as de très beaux yeux. —Digo, sorridente. Estou feliz por ter conseguido absorver o idioma, ainda que apenas um pouco. 

— Se comporta como um perfeito Don Juan, estrangeiro. —O sotaque carregado me atinge em cheio, acompanhado por um sarcasmo que felizmente não tive tempo de conhecer à fundo.— Não entendo o porquê de querer ir embora.

Alícia é uma mulher difícil. Muito difícil. Nas poucas vezes em que tentei falar sobre seus sentimentos, foi como dialogar com uma parede fria de pedras. Embora ela não diga, sei que certas coisas ferem o seu ego e que, para uma pessoa tão acostumada a conseguir o que deseja, é difícil lidar com algo que não está sob seu controle. 

— Nós acabamos de sair desse assunto. —Reviro os olhos, evidenciando que dar voltas e voltas, acabando no mesmo local sempre, me deixa injuriado. 

— Non, Mon chéri. Você saiu. Eu ainda não terminei. 

Alícia se move com impaciência, saindo de cima de mim de uma só vez. Seu corpo nu se mistura com os lençóis brancos e ela demora alguns segundos para juntar os pedacinhos de curiosidade dentro de si. As íris oceânicas me encontram e quase posso ouvir as engrenagens do cérebro dentro da cabeça loira, trabalhando sem parar. 

— É por causa de uma mulher, não é? 

— Você sabe que não. 

É uma verdade pela metade. Nós dois sabemos disso. Mas eu nem pisco ao lhe entregar uma resposta ensaiada há tanto tempo.

 — Menteur. Onde há um homem pela metade, sempre há uma mulher com a outra parte. 

Estico os braços para alcançar o celular na beira da cama, apertando um dos botões para enxergar o horário no visor. É um modo funcional de fugir da boca inteligente de Alícia. Me levanto, exibindo toda a minha estrutura descoberta, antes de começar a recolher as peças de roupa caídas pelo chão. Só consigo vestir as calças à tempo de mais uma pergunta. 

— Como ela é?

Dou-me por vencido, notando que fui pego de mãos atadas.

— Incrível. Ela é incrível. —Confesso.— Mas eu fui um idiota.

Alícia gargalha de um jeito forçado. 

— E que homem não é? 

Observo-a rolar na cama enquanto fecho os botões de minha camisa. 

— Meu vôo sai em duas horas. 

— Então é realmente o fim. —Ela murmura, levando as mãos ao emaranhado de fios loiros.— É verdade o que dizem, os ingleses são inoubliables. —Seu olhar paira sobre mim de um modo carinhoso.— Inoubliables. —Repete. 

Ainda tenho sua atenção ao me sentar sobre o puff para calçar os sapatos. 

— Precisa de uma carona até o aeroporto? 

Balanço a cabeça positivamente, lhe lançando um sorriso. Alícia libera alguns sons manhosos, erguendo-se do colchão. Tenho o vislumbre passageiro de sua nudez conforme seu corpo se movimenta rumo ao banheiro, após gestos de um espreguiçar bem lento. 

AlvoradaOnde histórias criam vida. Descubra agora