03. Bandeira Branca;

33 4 4
                                    

Espio através das lacunas na cortina escura. Já é a terceira vez em menos de vinte e quatro horas. Me sinto um completo inútil, pois sei que esse será o único jeito de vê-la, sem que um de nós acabe chorando ou gritando. Isto é, caso ela não me pegue encarando-a, feito um stalker. Todo esse tempo que passei próximo à janela, no entanto, não serviu de nada. Afinal, Summer sequer apareceu. Nenhum sinal de vida dentro do maldito quarto. Nada. E agora me questiono se ela imagina que estou aqui, feito idiota, e talvez por isso esteja me torturando com sua ausência.

Talvez isso não tenha nada a ver com você, seu grande egoísta. Ela pode muito bem ter se mudado para o centro da cidade, como planejava fazer aos dezoito. As palavras de Summer giram em minha mente, sem parar. Típico do Harry.

— Querido?

Me viro, observando mamãe colocar a cabeça no espaço entre a porta e o batente. Sorrio para ela, mesmo que o desânimo esteja estampado em meu rosto.

— O jantar está pronto. Você ainda gosta de espaguete?

Balanço a cabeça positivamente, empolgado, evidenciando o quão o cardápio do dia me agrada. Ela não diz mais nada, apenas sorri de volta, antes de afastar-se do quarto, deixando-me sozinho novamente.

Já se passaram três dias. No primeiro, mamãe parecia esquisita em relação à nós dois. Não só ela, assim como meu pai também. Foram cinco anos longe de casa e o retorno gerou certa estranheza, não apenas da parte de ambos. É claro que, após algumas horas, a rotina havia se restabelecido e, antes do começo do segundo dia, éramos uma família de comerciais de margarina de novo.

Não consigo conter o impulso de dar mais uma olhada na janela, antes de abandonar o cômodo. Para variar, não há nada de interessante do outro lado. Desço as escadas como uma criança faminta, de dois em dois degraus. O cheiro bom de comida faz com que minha barriga deixe de lado os roncos de protesto.

— Precisa de ajuda? —Questiono, pondo-me ao lado do balcão.

— Não. Seremos só nós dois hoje. —Ela diz, colocando os copos sobre a mesa.

Dou de ombros, sentindo a nostalgia de uma situação familiar.

— Preso no trabalho?

Mamãe assente.

— Ele foi promovido. Você não faz ideia de como essa casa ficou vazia nos últimos tempos.

Deixo os talheres ao lado dos pratos e puxo a cadeira para que a mais velha se acomode.

— Por que você não volta à desenhar? —Proponho, por fim, esticando o braço sobre a mesa para poder alcançar o jarro de suco.

— Algumas coisas deixam de ser interessantes com o tempo.

Eu sei muito bem disso. Até mesmo sonhos podem acabar se tornando tediosos, quando realizados.

— É claro que para um viajante a mesmice está fora de cogitação. —Mamãe aparenta estar orgulhosa, até estufa o peito para falar algo referente à mim.— Eu e seu pai estávamos pensando em viajar para o Havaí no verão. Uma nova lua de mel após trinta anos, para reacender aquele fogo de...

— Mãe!

Acabo caindo na gargalhada, sendo acompanhado por minha progenitora. Suas bochechas estão coradas, ainda que ela não demonstre constrangimento.

Me disperso do assunto por um momento, despejando a quantidade desejada do espaguete em meu prato. Cheira muito bem e chego a salivar. Ficamos em silêncio enquanto ela faz o mesmo, pegando um pouco menos do que eu. Empurro o tecido sobre a gola da camisa, formando uma espécie de babador, o que arranca uma risadinha de mamãe. Velhos hábitos nunca mudam.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jun 07, 2020 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

AlvoradaOnde histórias criam vida. Descubra agora