Foi um longo, doloroso e amarescente ano. Todas as memórias perturbavam-me de maneira desmedida. Coisas que seriam uma doce lembrança, quando estivéssemos bem idosos, já precisando de muletas para nos sustentar, tornaram-se pesadelos terríveis que me assolavam todas as noites.
Jamais seria capaz de amar outra pessoa, essa era uma das únicas coisas das quais eu tinha total convicção. Isso e a certeza de que precisava fazer algo para me livrar de toda a dor e culpa que me consumia. Eu poderia ter negado o beijo, poderia ter deixado que seguisse o caminho para o nosso casamento sem que nada o distraísse. E o pior, eu não tive nem mesmo tempo de pedir perdão.
Passei a seguir uma rotina totalmente monótona. Visitava o túmulo de Dom, todos os dias, sem intervalo. Era como me alimentar, precisava daquilo para sobreviver.
Agarrei-me à xícara de café, tentando abstrair-me da dor. Pela janela da cozinha, notei um carro parar em frente à calçada. Helen, minha melhor amiga, vinha frequentemente me visitar, eu havia até lhe dado uma cópia das chaves. Ela fazia-me bem, mas, por mais que tentasse, Helen não tinha o poder de me fazer emergir do fundo do poço. Ninguém tinha.
− Isabelle – chamou Helen. Ouvi a porta da frente a fechar-se. − Isabelle!
− Estou aqui – respondi e beberiquei o café quente.
Sua imagem corada apareceu pelo portal de madeira que levava à cozinha. Seus cabelos castanhos pareciam úmidos. Ela carregava algumas sacolas nos braços.
− Para quê isso tudo? − questionei.
− Para você escolher o que levar na festa de amanhã à noite!
− Eu não vou. − Pousei a xícara sobre a pia.
Ela largou tudo sobre a mesa da cozinha e avançou até mim.
− Isabelle! – Helen segurou meu rosto e me encarou bem no fundo dos olhos. − Você precisa parar de se martirizar. Eu entendo que foi um golpe muito duro, mas já faz um ano. E amanhã é seu aniversário! Tem que celebrar! Sei que também é o dia em que... tudo aconteceu. Mas você tem que se agarrar às coisas boas! E...há mais uma coisa. − Fiquei calada, esperando ela continuar. − A irmã mais velha da Kalli, a que chegou do Egito, me disse que pode fazer algo por você, para acabar com seu sofrimento. E ela vai estar lá, na festa de Halloween.
− Ela tem veneno? − Cuspi as palavras. − Pois a única coisa que pode acabar com o que eu sinto é a morte. Na verdade, eu deveria ter morrido no aci...
− Pare! − Helen me agarrou no braço. – Se você não quer nem ao menos tentar, você quem sabe!
Ela me largou e encaminhou-se desanimada para a mesa.
− Onde é a festa?
Helen me olhou com cara de culpada e eu sabia que não ia gostar.
− No The Veil – sussurrou.
− Você só pode ter batido com a cabeça! Agora é que não vou mesmo!
Saí disparada da cozinha.
− A irmã da Kalli sabe uma forma de comunicar com o outro lado! – Helen gritou, me fazendo estacar. – Pode ser a oportunidade de você arrumar o assunto pendente com o Dom.
As chaves me tremiam na mão. Há tempos que não entrava num carro, quanto mais conduzir um! Mas tinha de ser forte! Inspirei fundo e, por fim, coloquei o carro a trabalhar.
Não disse à Helen que iria à festa, lhe pedi para não ter muitas esperanças, mas que, talvez, e só talvez, pudesse aparecer por lá.
A verdade, é que eu não tinha nada a perder. E a ideia de voltar a ver o Dom, por muito ilusória que fosse, me restabeleceu as energias.
As lágrimas jorravam, sem parar, enquanto fazia o caminho até ao Hotel. Aquilo só tornava tudo ainda mais doloroso. Não sabia se estava preparada para entrar no The Veil sem o meu vestido de noiva, que jazia irreparável no armário, e, muito menos, sem o Dom, que eu não sabia onde se encontrava. Estava muito distante de mim, isso eu sabia.
Estacionei o carro numa vaga bem próxima ao Hotel, e encarei a fachada imponente. Apertei o volante com força e meus dentes rangeram. As lágrimas não queriam parar de cair.
O grande salão central do Hotel estava apinhado. Eu me apertava entre pessoas fantasiadas de todo o tipo de criaturas sobrenaturais, enquanto eu vergava minhas simples calças jeans. Sentia-me deslocada, mais uma vez. Não eram apenas as roupas que contrastavam, meu estado de espírito estava no extremo oposto ao daquelas pessoas, que dançavam felizes.
− Isabelle?
Voltei-me e não reconheci a garota que me fitava com atenção.
− Minhas condolências. A tragédia foi com você, mas eu imagino seu sofrimento.
− Eu conheço você?
− Sou Ísis, a irmã de Kalli. Vem, eu posso te ajudar.
801 palavras
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The Veil - O renascer de um amor
RomanceQuando Isabelle e Dom se conhecem numa festa de Halloween, no Hotel "The Veil", ambos sentem que estão conectados de alguma forma. Um encontro que estava escrito nas estrelas. Duas almas que nasceram uma para a outra. Depois de seis longos anos de f...