Capítulo 2

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Foi um longo, doloroso e amarescente ano. Todas as memórias perturbavam-me de maneira desmedida. Coisas que seriam uma doce lembrança, quando estivéssemos bem idosos, já precisando de muletas para nos sustentar, tornaram-se pesadelos terríveis que me assolavam todas as noites.

Jamais seria capaz de amar outra pessoa, essa era uma das únicas coisas das quais eu tinha total convicção. Isso e a certeza de que precisava fazer algo para me livrar de toda a dor e culpa que me consumia. Eu poderia ter negado o beijo, poderia ter deixado que seguisse o caminho para o nosso casamento sem que nada o distraísse. E o pior, eu não tive nem mesmo tempo de pedir perdão.

Passei a seguir uma rotina totalmente monótona. Visitava o túmulo de Dom, todos os dias, sem intervalo. Era como me alimentar, precisava daquilo para sobreviver.

Agarrei-me à xícara de café, tentando abstrair-me da dor. Pela janela da cozinha, notei um carro parar em frente à calçada. Helen, minha melhor amiga, vinha frequentemente me visitar, eu havia até lhe dado uma cópia das chaves. Ela fazia-me bem, mas, por mais que tentasse, Helen não tinha o poder de me fazer emergir do fundo do poço. Ninguém tinha.

− Isabelle – chamou Helen. Ouvi a porta da frente a fechar-se. − Isabelle!

− Estou aqui – respondi e beberiquei o café quente.

Sua imagem corada apareceu pelo portal de madeira que levava à cozinha. Seus cabelos castanhos pareciam úmidos. Ela carregava algumas sacolas nos braços.

− Para quê isso tudo? − questionei.

− Para você escolher o que levar na festa de amanhã à noite!

− Eu não vou. − Pousei a xícara sobre a pia.

Ela largou tudo sobre a mesa da cozinha e avançou até mim.

− Isabelle! – Helen segurou meu rosto e me encarou bem no fundo dos olhos. − Você precisa parar de se martirizar. Eu entendo que foi um golpe muito duro, mas já faz um ano. E amanhã é seu aniversário! Tem que celebrar! Sei que também é o dia em que... tudo aconteceu. Mas você tem que se agarrar às coisas boas! E...há mais uma coisa. − Fiquei calada, esperando ela continuar. − A irmã mais velha da Kalli, a que chegou do Egito, me disse que pode fazer algo por você, para acabar com seu sofrimento. E ela vai estar lá, na festa de Halloween.

− Ela tem veneno? − Cuspi as palavras. − Pois a única coisa que pode acabar com o que eu sinto é a morte. Na verdade, eu deveria ter morrido no aci...

− Pare! − Helen me agarrou no braço. – Se você não quer nem ao menos tentar, você quem sabe!

Ela me largou e encaminhou-se desanimada para a mesa.

− Onde é a festa?

Helen me olhou com cara de culpada e eu sabia que não ia gostar.

− No The Veil – sussurrou.

− Você só pode ter batido com a cabeça! Agora é que não vou mesmo!

Saí disparada da cozinha.

− A irmã da Kalli sabe uma forma de comunicar com o outro lado! – Helen gritou, me fazendo estacar. – Pode ser a oportunidade de você arrumar o assunto pendente com o Dom.

 – Pode ser a oportunidade de você arrumar o assunto pendente com o Dom

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As chaves me tremiam na mão. Há tempos que não entrava num carro, quanto mais conduzir um! Mas tinha de ser forte! Inspirei fundo e, por fim, coloquei o carro a trabalhar.

Não disse à Helen que iria à festa, lhe pedi para não ter muitas esperanças, mas que, talvez, e só talvez, pudesse aparecer por lá.

A verdade, é que eu não tinha nada a perder. E a ideia de voltar a ver o Dom, por muito ilusória que fosse, me restabeleceu as energias.

As lágrimas jorravam, sem parar, enquanto fazia o caminho até ao Hotel. Aquilo só tornava tudo ainda mais doloroso. Não sabia se estava preparada para entrar no The Veil sem o meu vestido de noiva, que jazia irreparável no armário, e, muito menos, sem o Dom, que eu não sabia onde se encontrava. Estava muito distante de mim, isso eu sabia.

Estacionei o carro numa vaga bem próxima ao Hotel, e encarei a fachada imponente. Apertei o volante com força e meus dentes rangeram. As lágrimas não queriam parar de cair.

O grande salão central do Hotel estava apinhado

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O grande salão central do Hotel estava apinhado. Eu me apertava entre pessoas fantasiadas de todo o tipo de criaturas sobrenaturais, enquanto eu vergava minhas simples calças jeans. Sentia-me deslocada, mais uma vez. Não eram apenas as roupas que contrastavam, meu estado de espírito estava no extremo oposto ao daquelas pessoas, que dançavam felizes.

− Isabelle?

Voltei-me e não reconheci a garota que me fitava com atenção.

− Minhas condolências. A tragédia foi com você, mas eu imagino seu sofrimento.

− Eu conheço você?

− Sou Ísis, a irmã de Kalli. Vem, eu posso te ajudar.

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801 palavras

The Veil - O renascer de um amorOnde histórias criam vida. Descubra agora