Anahí estava cansada. Cansada de tanta vaidade sem sentido. Dos egos sufocantes. De tanta superficialidade... Cansada de andar de um lado para o outro em cima de um império que nunca idealizou para si própria. Cansada de muitas vezes as pessoas quererem amarrar nela cordas de marionete. As cordas do corpo ideal, das roupas de grife, da esposa perfeita, da mulher sem manchas. Mas ela tinha crescido com liberdade. Tinha poucas idealizações mas sempre esteve certa de que queria uma vida em que pudesse conduzir os próprios passos, de que seria condutora da própria alma, de que nada ou ninguém poderia apontar-lhe o dedo para dizer-lhe o que fazer, e tantos o faziam, ainda que indiretamente...
Imaginar como seria sua vida se não tivesse feito algumas escolhas estava se tornando cada vez mais frequente; um looping infinito de como muito provavelmente estaria sentindo-se realizada profissionalmente. Sim, claro que sim, ingressar na Yale em busca do diploma de jornalismo tornou-se não somente uma meta, fez parte de seus sonhos no final do ensino médio quando tinha no fim daquele ciclo uma expectativa para o novo que se formaria. Anahí sempre fora mesmo de fases, assim como o passar das estações ela gostava de se reinventar. Ao olhar para o próprio estado atual, ela só sentia uma imensa vontade de chorar. Estava de frente para a parede de vidro da sala que a proporcionava uma visão ampla de uma boa parte da velha Seattle. Belltown era um bairro luxuoso, assim como aquela cobertura em que morava. Luxo, luxo e mais luxo. Em cada parte de sua nova vida podia-se ver o quanto era rodeada do bom e do melhor. Irônico era saber que ela não era feliz.
Não, não pense que a infelicidade daquela mulher se dava somente pelos questionamentos que fazia por suas escolhas erradas, não totalmente. Algumas escolhas certas também a levavam para aquele atual estado. Infelicidade e solidão, era o único que ela sentia, um hobby de cetim cobrindo seu corpo com uma lingerie por baixo, apenas, os fios de cabelo soltos sobre os ombros, os braços cruzados como se quisesse mais abraçar a si mesma, os olhos distantes, indo além de toda aquela paisagem exposta, além das folhas de outono surgindo nas árvores.
Em outros tempos, Anahí certamente estaria irradiando felicidade pelos cantos. Era outono, afinal, um novo ciclo, novas chances, novos motivos para recomeçar. Mas como o fazer quando ela mesma tinha estacionado em um único lugar? De verão a inverno ela via a própria vida passar, naquela posição mesmo, daquele mesmo lugar onde estava agora. Vendo o sol ou a chuva saindo lá fora, com todas as outras pessoas no mundo vivendo de verdade, enquanto ela era apenas Anahí Herrera. A esposa e a mulher devota ao marido e a nova vida adquirida ao casar com ele.
Soava até patético agora. Ainda mais patético do que as lágrimas que insistiam em cair de seus olhos. A garganta seca chegava a doer. Ignorava todos os ruídos do celular. Mensagens, ligações, até que tentou ignorar a própria fúria para escutar uma das mensagens deixadas na caixa-postal.
"Amor, por favor, atenda as minhas ligações. Precisamos conversar. "
O quanto sua raiva triplicava ao reconhecer aquela voz que normalmente em outros tempos arrancaria sorrisos seus. Ela reconhecia, era a voz rouca evidenciando o sono e o cansaço, adorava até a forma charmosa que ele sussurrava em seu ouvido em manhãs que despertavam enroscados um no outro, pouco se importava se iria atrasá-lo para o trabalho se o empurrasse, ficando por cima de seu corpo, habilidosamente retirando a própria camisola, ou quem sabe, sentindo as mãos dele fazerem aquele trabalho, para que logo depois estivessem unidos em um sexo lento, quem sabe, ou intenso, sempre dependia, eles costumavam inverter posições e sempre davam um jeito de inovar. O que importava, no fim das contas, é que iniciariam o dia se amando, e bastava. Bastou por muitas manhãs, mas nada mais era como antes.
Nem ela mesma era como antes. O copo estava cheio demais, prestes a derramar toda a água colocada dentro dele e, ela igualmente tinha chegado ao seu limite. O extremo para um pequeno deslize acontecer e ela jogar tudo para os ares.
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Ventos de Outono
FanfictionRepara que o outono é mais estação da alma do que da natureza. Carlos Drummond de Andrade