Capitulo 8 - A Carta

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Milagrosamente, o céu havia parado de chorar. Os moradores de Ophiocus haviam retornado a seus serviços, atentos a outras ameaças de chuva e pondo para fora de suas casas a água que havia entrado.

Nêmesis caminhou pela cidade com Alisha em sua garupa, atravessando os portões da muralha e cheirando o ar fresco. Água, flores e terra molhada, eram os cheiros que ele captava em abundância, deixando-o mais calmo. A Zashti olhou para sua montaria, e fez o mesmo que ele, inspirando e expirando, aproveitando o cheiro da natureza, um calmante natural. Um odor diferente foi detectado e o cao avermelhado manteve as orelhas erguidas, movimentando-as para diversas direções, para entao correr para a mata.

Assustada com a corrida repentina, Alisha gritou e segurou-se com força em sua pelagem, mantendo-se em sua garupa. Para ela, naquele momento, as plantas e animais, que viu no dia que conheceu Daechya, nao eram nada além de imagens borradas que eram deixadas para trás.

Gostaria de sorrir, estar fazendo aquilo por pura diversao, mas nao era bem assim. Sua tristeza era grande, sua culpa apenas crescia. Nenhum dos dois sentimentos permitiam que sorrisse. Nêmesis sabia o que sua mestra sentia, estava pronto para parar de correr e pular sobre ela, para lambe-la e fazer dengo ate que um pequeno sorriso surgisse em seus lábios. Esse era o atual desejo do grande canino avermelhado, entretanto, ele continuaria a correr, a levaria para a unica pessoa que poderia provar a ela que nao havia sido sua culpa.

Seus passos diminuiram, Alisha ergueu o olhar. Era um morro, repleto de grama e flores. Abelhas voavam de um lado para o outro, zumbindo e espalhando pólen. A Hyd franziu as sobrancelhas e desceu da garupa do animal, se aproximando devagar do morro e o olhando com estranheza. Nêmesis se pôs ao seu lado, sentando-se e latindo uma unica vez.

Houveram passos, e um homem vestido como camponês se aproximou, com as roupas sujas de terra e o cabelo castanho bagunçado demais para ser dele, enquanto os olhos azuis, que uma vez mostravam cansaço, agora eram repletos de tristeza.  Alisha descolou os labios, tentando cumprimenta-lo, entretanto, nenhum som saia.

- Alisha, que surpresa. - sua voz familiar despertou a garota, que o encarou, percebendo um pequeno sorriso em seu rosto, como quem diz "que bom te ver". - Não me olhe assim, ainda sou eu, so que bem informal.

- Damian... Me desculpe, eu... - ela tenta dizer algo a mais, entretanto, nao conseguiu. Olhar para ele era doloroso depois de tudo. Nao sabia o que ele realmente sentia, ou o que pensava dela, isso a enchia de agonia.

O rei se aproximou, segurando o queixo da mais nova e erguendo sua cabeça, enxugando suas lágrimas, em seguida, a abraçou apertado, acariciando suas costas. Alisha apertou de volta, chorando e soluçando. Damian nao sabia como consola-la, entao continuou naquela posição, deixando-a chorar e, quando ela finalmente conseguiu formular frases sem soluçar, ele segurou suas maos e deu a volta no morro com ela.

Alisha se deixou ser levada, e ergueu a cabeça ao ver um monte de terra fértil, molhada e revirada, repleta de flores que se reproduziam e criavam outras flores. A lápide nao era esculpida como as que ela viu no cemiterio do Templo de Maharpayã. Era apenas uma grande pedra, com seu nome feito com as letras tortas de alguem que nao sabia como manusear o formão e o martelo. Entretanto, apesar de improvisada, a lapide estava limpa e cuidada, com algumas plantas usando-a de apoio para seu crescimento.

- Voce que fez, Damian?

- Sim, ela precisava de um lugar para descansar... Depois de tudo.

Alisha respira fundo, se preparando para a resposta de sua proxima pergunta.

- O que você enterrou?

- Um livro. - ela o olha confusa. - Após revirar nosso quarto, encontrei um livro, uma chave e duas cartas. Uma para mim, e a outra pra você.

Ele foi ate um canto mais distante, e de debaixo de uma arvore ele pegou uma bolsa de couro, retirando de la um pergaminho completamente dobrado, então, entregou para Alisha. Ela engoliu em seco, desdobrando o papel, dando de cara com a letra da rainha.

Querida Alisha,
Se você esta lendo esta carta, é por que Damian encontrou a mensagem que deixei antes de morrer. Com certeza ele me obedeceu, e enterrou o meu livro em meu lugar. Desde que voce voltou para Hydarth, meus dias no castelo se tornaram mais insuportáveis, principalmente pela presença de Tyrkan, nosso ódio é recíproco.  Desde que eu perdi meus bebês, minha vida deixou de fazer sentido, mas quando Heilos te levou confusa para a sala do trono, eu senti que devia cuidar de você, um sentimento muito parecido eu senti apenas quando carreguei meus filhos pela primeira vez.
Tyrkan com certeza dirá que a culpa foi sua, ele sempre odiou que as pessoas simpatizassem comigo. Não acredite nele. A culpa nao foi sua, nunca foi. Eu ja tinha isso em mente anos atras, mas nunca tive coragem. A unica coisa que sentia era medo de dar a minha vida em prol de nada.  Morrer como bruxa, hoje, será meu maior orgulho, por que, de acordo com Raniel, ajudará a traçar o seu destino, como uma bússola. Por isso, peço a você o mesmo que pedi a Damian: nao fique de luto por mim.
O livro que deixei é perigoso, ninguem, alem de Damian e voce, sabe sobre ele. Nao abra, nao leia. Ele será sua vitoria quando possuir duvidas de quem voce realmente é, e do que precisa fazer.
Eu sei que nao adianta muita coisa, mas nao chore, nem se culpe. Apenas ergua sua cabeça e sorria, eu e Mingzhi estaremos aqui para ajuda-la sempre que precisar. Ele como sua Rionag guia, e eu como uma Essência.
Eu te amo muito, Alisha. Não importa a situaçao, nao importa o que fez, sempre que voce precisar, eu estarei ao seu lado, segurando sua mao, a ajudando. Para todo o sempre.
Assinado: Zithar Ophiocus, a bruxa do castelo, e sua eterna mãe.

Em meio as lagrimas que molhavam o papel, Alisha se sentou ao lado do túmulo, sentindo as pernas falharem. Damian nao ousou se aproximar, e Nêmesis ergueu as orelhas e farejou o ar, acompanhando algo invisível com o focinho.

Uma brisa suave acariciou o rosto de Alisha. Ela tirou os olhos da carta, vendo em uma frente um brilho de forma humana. Em meio ao brilho, um sorriso acresceu nos labios avermelhados de quem segurava seu rosto. Viu se aproximar, e sentiu algo similar a um beijo ma testa, em seguida, aquela forma desapareceu dando lugar a vista da natureza e deixando para trás um sentimento de conforto.

Alisha dobrou a carta, guardando-a consigo. Olhou para o ceu nublado, sorrindo de forma boba, deixando que os pequenos pingos da chuva que retornava molhassem sua pele.

- Ei, Alisha, melhor irmos, vai ficar resfriada.

- Ei, majestade, eu gostaria de fazer um pedido.

Damian piscou, olhando-a confuso com o pedido, logo entendendo que ela desejava fazer um pedido ao rei, e nao ao amigo.

- Fique a vontade, Zashti.

- Poderia, por favor, contatar os governantes dos outros reinos? Estou em busca de uma amiga, ela é importante e esta com o Kniga e sua chave.

- Voltaremos para o castelo, então. - ele sorri suavemente, e Nêmesis se poe de pe, pronto para transporta-los. - Preciso pegar minha coroa primeiro.

Daechya (Vol.2) - Coroa de SerpentesOnde histórias criam vida. Descubra agora