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A noite estava fria. E ainda assim, o homem que subia o breve caminho de pedras pela colina não parecia se incomodar com os ventos cortantes que penetravam a pele, procurando congelar os ossos de qualquer pessoa despreparada para a súbita mudança de clima que acontecia a noite.

O indivíduo pareceria como esse tipo de pessoa para qualquer morador da região que o visse vagando pelo local, vestindo somente botas, uma calça que já deveria ter visto dias melhores, e uma camisa que não fazia o favor de cobrir os braços.

Mas na verdade aquele homem já estava ciente do clima, havia passado pelo local várias vezes nos últimos anos, subindo a mesma colina para se encontrar com a mesma pessoa.

O tempo simplesmente não o incomodava. A relidade era que, o que aquelas pessoas consideravam um tempo ruim, não chegava perto do desespero que encontrariam ao navegar mais adiante no mar.

E não seria só pelo tempo desastroso, mas também pela companhia.

Ao chegar a cabana no topo da colina, tomou seu tempo para analisar o local como sempre fazia. Era curioso como as pinturas desconhecidas que coloriam a estrutura, e os artefatos que eram pendurados a todos os lugares a vista, tinham o poder de cativar e amedrontar ao mesmo tempo.

Histórias corriam pelas cidades vizinhas de que a moradora da colina era uma bruxa, serva de forças das trevas e se mantinha fora de vista e se queimava na luz do sol. Contos espalhados por pessoas que visitaram o local e nao haviam visto a garota, mas somente sua moradia, uma estrutura amedrontadora a luz da lua para quem vagava em baixas alturas.

Os locais achavam a garota simplismente excêntrica. Conheceram seus pais e tomaram conta dela dentro do possível quando os mesmos faleceram; Sua mãe era uma artesã popular da vila quando havia conhecido o pai da garota, um pescador na época.

Os burburinhos dos encontros deles se espalharam rapidamente, como acontecia em vilas que não tinham muitas coisas emocionantes além de fofocas para matar a monotonia. A mulher engravidou um tempo depois e o homem pediu-a em casamento. Ambos morreram por uma epidemia que acabou com muitas vidas alguns anos depois.

A garota tinha quatro anos na época, e os locais se alternaram para cuidar dela. Os recursos ainda eram escassos naquele tempo, e ninguém tinha como bancar com as despesas de uma pessoa a mais por um longo período de tempo. Quando alcançou a idade de 16 anos, a garota construiu sua casa na colina e passou a viver por si só.

Simples assim.

É claro que os moradores não deixavam de questionar sua sanidade várias vezes, como não poderiam deixar de fazer, já que a garota que se embrenhava em lugares estranhos em busca de seres sobrenaturais ou artefatos mágicos, ficando fora por horas a finco, muitas vezes até depois do anoitecer.

Mas ela era normalmente simpática e não machucava ninguém com suas peculiaridades, então os moradores escolhiam fingir que sua excentricidade era algo comum e conviviam harmoniosamente com a menina.

Decidindo que já estava divagando demais, o homem que ainda estava parado em frente a casa recolheu seus pensamentos e se dirigiu a porta talhada em madeira escura.

Toc, toc.

O barulho de batidas fez com que a mulher que estava ocupada mexendo algo em um caldeirão no fogo deixasse sua ocupação de lado por um momento para atender a porta. Olhou pelas cortinas antes de abri-la e revirou os olhos com resignação.

-Sério? -Perguntou automaticamente ao abrir a porta. -Duas noites seguidas? Você não tem mais o que fazer? Se embrenhar mar a dentro por exemplo? -Disse para o homem que estava a sua frente com as mãos nos bolsos, casualmente esperando ela terminar o cumprimento usual de desprezo.

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