País novo, vida nova

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Os Guardiões da Escuridão

Por Bruno Rock

Capítulo 1 - País novo, vida nova

Era um fim de tarde calmo. O sol começava a se pôr sobre as árvores de folhagem avermelhada. A sintonia entre as cores era hipnotizante aos olhos de Fábio. Tudo o que ele havia lido sobre o Canadá era verdade. Era como se as estações do ano fossem cronometradas para trocarem no exato dia em que deviam iniciar. A partir daquele dia, Vancouver seria seu novo lar. Da janela do seu quarto, no segundo andar de sua casa, ele tinha uma vista deveras privilegiada do seu bairro, que era muito próximo ao centro. Se apertasse os olhos, podia ver os trilhos do Sky Train. O outono do Hemisfério Norte iniciava-se naquele exato dia de 22 de Setembro.
Ele e sua família acabavam de imigrar para o país, vindos do Brasil. Chegaram haviam poucos minutos. Os dois táxis que haviam pegado do aeroporto ainda estavam à porta. Apesar de serem somente ele e os pais, vieram com eles uma quantidade considerável de malas. A mãe não quis se desfazer de muita coisa. Daquele dia para trás, uma vida inteira ficara no Brasil.
Fabio havia terminado o colegial havia um ano. Ele era um garoto de pele clara, cabelos escuros e de comprimento médio, partidos ao meio, olhos castanhos, corpo esguio, nem muito alto, nem muito baixo para a sua idade. Seu aniversário de 18 anos chegaria no mês que vem. Sentiu a brisa do fim de tarde tocar- lhe o rosto como um doce afago. Levou junto sua mão e sentiu os fios de barba em crescimento. Há poucos meses, estava com os amigos na antiga casa em São Paulo, com seus amigos para uma noite de pizza e jogos, competindo para ver quem tinha mais barba. Amigos esses que só voltaria a ver por Skype. A melancolia voltara a lhe incomodar o peito. Voltou-se de volta ao quarto. Um cômodo amplo, mas com apenas uma cama, uma cômoda e uma escrivaninha vazia encostada na parede do lado esquerdo. Ele estava muito surpreso em ter tudo isso à disposição, pois em sua terra natal, mesmo para um imóvel alugado, dificilmente o proprietário inclui mobília para o mesmo. Próximo à cama, ele havia deixado suas quatro malas e a mochila. Todas abarrotadas do máximo de pertences que conseguiu guardar. De uma delas, ele tirou algumas roupas, seu laptop, alguns livros e seus chinelos. Tirou seus tênis de viagem Nike Air pretos para calça-los e ficar mais confortável. Dificilmente acharia chinelos naquela região. Pegou os livros e o laptop e os deixou sobre a escrivaninha. Pôs as roupas de volta na mala e a fechou.
Ao descer as escadas, reparou que a casa realmente tinha um ar de abandono. Aparentemente, o dono não conseguia aluga-la havia algum tempo. Tinha cheiro de produtos de limpeza e nenhuma poeira aparente. Seus pais haviam fechado um contrato de tempo indeterminado de aluguel com o proprietário. Fábio tinha certeza que a casa acabaria ficando com eles, pois o pai não queria mais retornar ao Brasil e não parava de falar que a casa era ótima.
Ao chegar à cozinha, num padrão completamente norte-americano, com ladrilhos cor de madeira, bancada de mármore preto e eletrodomésticos também na cor preta, quatro cadeiras de alumínio e assento preto de plástico dispostas em frente à bancada, seus pais estavam alí sentados conversando sobre os planos para a noite. Eram até um casal adorável. O pai, um senhor de quase 50 anos, vestido como um executivo num momento de happy hour, calça de sarja cáqui, camisa branca e colete marrom por cima. Era grisalho, de pele clara e olhos azuis. A mãe, uma senhora também de quarenta e alguns anos, usava roupas mais despojadas, calça jeans clara, camisa rosa abotoada até o decote, estava já descalça para descansar os pés. Tinha cabelos castanhos num corte Chanel, pele clara e olhos castanhos claros, como os de Fábio.

- Vejam só quem veio se juntar a nós! - seu pai exclamou, ao se voltar para a entrada da cozinha e ver Fábio adentrando o local.
- Seu pai e eu estamos querendo ir ao centro para jantar em algum restaurante - continuou a mãe, virando-se para Fábio - não sabemos se comemos alguma comida diferente ou procuramos algo mais regional...
- Tipo pizza ou hambúrguer, Cristina? - disse o pai, fazendo cara de deboche - desse jeito, parece que ainda estamos em São Paulo.
- Eu sei, Roberto, mas eu tenho medo de não gostar de outra coisa e acabar jogando dinheiro fora. Você sabe que aqui é cheio de restaurantes indianos, coreanos e sei lá mais de onde. Esse negócio de trocar o certo pelo duvidoso não é comigo...
- Não é questão de trocar o certo pelo duvidoso, amor, mas de nos abrirmos ao novo. Todas as vezes que eu te convidava pra comer num restaurante diferente, você sempre mudava de ideia e sempre acabávamos indo aos mesmos lugares.
- Pois bem - interrompeu Fábio, indo até uma bolsa térmica que estava ao lado da cadeira onde sua mãe estava sentada e pegando uma lata de refrigerante de laranja - hoje, eu só quero dormir. O voo foi longo e eu quase não preguei o olho. Pior ainda de Toronto até aqui. Se vocês quiserem aproveitar, podem ir. Não se preocupem comigo.
- Sem problemas, filho. Você é quem vai perder essa noite linda. - disse Roberto.
- Teremos outras. Muitas outras. Muuuuitas outras - respondeu Fábio, enquanto abria a lata e voltava pela porta da cozinha.

No trajeto, ele resolveu olhar um pouco mais a casa, enquanto bebia o refrigerante. Cruzando o hall de entrada, que dividia a casa e dava acesso à porta da rua e à escada para o andar de cima, estava a sala de estar. Outro cômodo grande, que dispunha de dois sofás grandes côr de areia, casando com a decoração rústica do restante da sala, onde a parede era toda de blocos de pedra e o rodapé era madeira rústica. Tinha uma mesa de centro também de madeira, lareira na parede de trás e uma estante grande e vazia, também rústica. No chão, um tapete grande e escuro, todo aspirado. Na parede da frente, ao lado da rua, estavam duas janelas grandes, a distância entre as duas era preenchida por um rack grande e também vazio, onde seu pai iria encher de porta-retratos, livros e uma TV de 50 polegadas que ele já estava se planejando para comprar nesta mesma noite. As janelas eram cobertas por duas cortinas caqui que se complementavam al meio.
Saindo da sala, havia mais um pequeno corredor com uma porta ao fundo, que dava para uma pequena área de serviço, onde haviam uma lavadora, uma secadora e um tanque para lavagem à mão. Todos brancos. Do outro lado do corredor, que dava acesso ao fundo da casa, estava o quintal. Era um quintal grande com muita grama à aparar. Aparentemente, a limpeza prévia oferecida pelo proprietário da casa era só para o interior. A área era grande e havia, no canto direito, uma área de piscina de pedra polida. A mesma estava coberta por um plástico preto. Do outro lado, três mesas de quintal de madeira com quarto cadeiras em volta de cada uma. Tudo estava cercado por uma cerca de madeira e arame, com uma portinhola na parte das mesas, ao lado da parede da casa.
No Brasil, a vida era muito diferente. Pra começar, a família morava num apartamento na Zona Norte, em um bairro até que bom. Eles moravam lá desde que Fábio se entendia por gente. Todos os seus amigos moravam naquele condomínio. Ele se lembrava dos dias que passava brincando na quadra, com todas as crianças que moravam lá. O apartamento não era ruim. Tinha 3 quartos, sala, cozinha, dois banheiros e uma varanda até que grande, se comparada a outros prédios São Paulo à fora. Apesar de seu pai ser um micro-empresário de considerável sucesso, eles nunca foram ricos. Seu pai era dono de uma pequena empresa de segurança privada e sua mãe, uma professora universitária. Isso deu a eles dinheiro suficiente para viver de maneira confortável, mas jamais para ascendê-los à posição de ricos. Mesmo sendo empresário, a maior parte do dinheiro servia para manter a empresa funcionando. Os lucros serviam para bancar as contas. A maior felicidade dos pais de Fábio foi juntar dinheiro para bancar os estudos dos filhos. O primeiro foi Carlos, seu irmão mais velho que falecera. Ele estava no último ano da faculdade de Arqueologia. Tinha voltado a pouco tempo de uma viagem de campo ao México, para estudar a civilização Asteca. O próximo seria Fábio. Para imigrarem para o Canadá, seu pai vendeu a empresa aos outros sócios, para utilizar o dinheiro sem mexer na reserva de Fábio, para ainda utilizá-la para pagar a faculdade no Canadá. Ele optara por um curso de História.
Fábio voltou para dentro e se dirigiu à escadaria para subir ao seu quarto. Notou que logo mais à frente, embaixo da escada havia uma porta. Tinha certeza que era para o porão da casa, mas teve preguiça de ir olhar. Ao chegar no andar de cima, reparou que ao meio do andar, onde do lado direito era o seu quarto e do lado esquerdo era o quarto dos seus pais, no teto, havia um alçapão. Obviamente, dava acesso ao sótão. Teve curiosidade de checar, mas a preguiça continuava lhe insistindo para entrar no quarto e ir deitar-se. Foi o que ele foi fazer. Deixou a lata vazia aos pés da cama e relaxou. Ainda estava usando a calça jeans escura e a camiseta de manga longa preta que usara a viagem inteira, mas seu corpo não o permitiria mais levantar para despir-se. Em pouco tempo, Fábio caiu no sono.
Mais uma vez aquele pesadelo desde a morte de Carlos. As ruínas, o breu, o cheiro de fumaça que impregnava o ambiente. Ainda podia ouvir os gritos de sua mãe. "Não o mate! Não o mate! Mate a mim!" Seu pai a segurava para que ela não corresse em direção ao perigo iminente.
Aquele espectro gigante de olhos vermelhos diante deles. Carlos estava à frente, parado, o encarando. As chamas mágicas azuis ainda envolvendo suas mãos. O vento forte que pairava fazia o pingente de dragão que seu irmão usava dançar em seu peito. Ele disparou os jatos de energia em direção ao espectro, mas não surtiu efeito. O sangue de Carlos espirrou no rosto de Fábio.
Ele acordou ofegante, sentando-se na cama imediatamente. Olhou pela janela, enxugando o suor da testa. A sensação de desespero, o pânico crescente. Era como se realmente ele tivesse voltado para aquele momento horrível. Poderia jurar que sentia aquela baforada do espectro batendo em seu rosto, o calor das chamas incomodando sua pele. Por um instante, esquecera que estava em outro país. Olhou pela janela. O céu de Vancouver estava escuro e estrelado. Quanto tempo havia se passado? Tirou o celular do bolso e olhou a hora. 9 da noite. Dormira cerca de 3 horas. Levantou-se e foi até o parapeito. Estava na hora de falar com seu amigo Denis via Skype.

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