Os Guardiões da Escuridão

A criatura estranha invadindo a casa do vizinho

Vancouver parecia ainda mais viva do que antes. A casa, aparentemente, estava toda escura, exceto pela luz acesa do quarto de Fábio. Em algum lugar daquele mar de luzes, os pais dele estavam se divertindo em algum lugar. Olhando a vizinhança, com casas e ruas iguais às que Fábio via apenas nos filmes, todas bem desenhadas, com telhados, cercas baixas, árvores no quintal, caixas de correio nas calçadas e tudo mais, Fábio sentiu a melancolia tentar tomar-lhe novamente o coração. Fazia pouco mais de um ano que seu irmão mais velho, Carlos, havia sido assassinado pelo tal espectro. Seus pais ficaram meses devastados. A mãe de Fábio mal saía do quarto desde o enterro. Apesar de estar há poucos centímetros do seu irmão no momento em que a criatura o havia decapitado com suas garras imensas, Fábio ainda encarou melhor tudo aquilo, se comparado aos seus pais. Talvez porque ele jamais esquecera o sentimento de vingança? Talvez porque ele sabia que seu irmão não iria querer que nenhum de seus familiares ficasse afogado em lágrimas e luto? Quem sabe?
Carlos era o filho que qualquer mãe queria ter. Ele tinha vinte e um anos quando foi morto. Era alto, forte, bondoso e obediente até demais. Carlos era do tipo que preferia ter a quantidade certa de amigos. Nunca chegava em casa após o horário permitido. Fábio lembrava de uma vez em que ele lhe prometera levar ao cinema para assistir um filme de animação. Ao chegarem ao shopping, eles se encontraram com os colegas de classe de Carlos. Quase lhe imploraram para irem a uma festa naquela mesma noite, mas Carlos preferiu ser caçoado à exaustão do que descumprir com a palavra de chegarem às dez da noite, em casa. Aquela atitude marcara Fábio até aquele dia.
Fábio sentiu sua garganta dar um nó.
Ele engoliu seco e pegou o celular. O mesmo mostrava simultaneamente os horários de Vancouver e São Paulo, sua cidade natal. Eram 9 e 5 da noite em Vancouver, 5 e 5 da tarde em São Paulo. Um bom horário para falar com seu amigo Denis. Ele entrou no Skype e viu que ele estava disponível.

- E aí, cara? Finalmente! Achei que você fosse ligar mais cedo. Tá indo tudo bem? - Saudou-lhe Denis, um garoto do mesmo porte físico que Fábio. Entretanto, Denis era um garoto negro, de cabelos trançados, um sorriso largo e olhos pretos brilhantes. Ele e Fábio se conheceram no ensino fundamental e nunca mais pararam de se falar.

- Desculpa, Denis. Eu acabei pegando no sono. Quase não acordo. A viagem é mais longa do que parece. Uma eternidade até Toronto e mais um pouco até aqui. Eu mal preguei o olho durante esses voos.

- Achei que você não tivesse medo de avião...

- E não tenho. Não sei se foi ansiedade ou se foi porque o assento era minúsculo. Só sei que eu tentei dormir, mas no máximo tirei uns cochilinhos de nada.

- Tá tranquilo, cara - Denis exclamou, com um sorriso na voz - agora, me mostra aí como é o seu bairro. É tipo os de filme, mesmo?

Denis se aproximou um pouco mais da câmera. Ele aparentava estar sentado numa escrivaninha, usando um laptop.

Fábio mudou a chamada para a câmera traseira.

- Uau... - exclamou Denis, arregalando os olhos. A vizinhança já estava toda iluminada pelos postes da rua. Era possível ver as casas já com as folhas secas em pilhas, algumas pessoas correndo para se exercitarem, casas com cômodos com a luz acesa, como se fosse uma tomada externa de filme hollywoodiano.

- Pois é - prosseguiu Fábio - aqui é incrível, mas não sei se vou gostar de verdade. Ainda não parece meu lar. - disse Fábio, com a melancolia voltando a tomar conta dele, apoiando a o queixo sobre a mão e olhando para o horizonte.

- Sério? Pois, se quiser, é só pedir que eu troco de lugar com você! Quem me dera ir morar aí no Canadá. Esse lugar é fantástico! - disse Denis, meio que não acreditando no que ouvia.

- Eu sei disso. O que eu quero dizer é que eu ainda preciso me adaptar. Eu sei que vou acabar me acostumando com tudo isso. Vai ser um pouco difícil, mas eu sei que vou. Só o que não quero é perder o contato com vocês. - concluiu Fábio, menos melancólico.