I - O começo do fim

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"O olhar para o relógio foi se tornando cada vez menos rotineiro enquanto eu estava com ele. Sua sobrancelha arqueada fazia da sua face tensa e desconfiada, ele era mistura de mistério e sensualidade. Aquele dia ele viu a minha alma e tudo o que eu pude ouvir foi o som da sua respiração controlada e fria. "

Essa não é a típica história de uma garota, pura e ingênua que conheceu o amor da sua vida por acaso, esbarrando-se e derrubando os seus livros de química na escada do colégio. Eu nem gostava de livros, muito menos das aulas de química. Eu não precisava de um garoto para me sentir viva, eu era a garota mais popular da cidade. Sem mais delongas essa é a minha história, ou melhor, o fim dela e o começo de outra coisa.

Aos dezesseis anos eu não via maldade nos rapazes, ainda não sabia os quão perversos poderiam ser, e não sabia o quão bons poderiam ser. Quando descobri a malícia masculina confesso que gostei, e queria que eles vissem malícia em mim também. Eu gostava de provocar e não aceitava menos que um pedido para um encontro, eu acreditava que tinha nascido para ser a melhor entre todas, sempre. Apesar de parecer esnobe com essas declarações, no fundo eu era uma garota comum, chorava com filmes de comédia romântica, amava chocolate quente (principalmente os que o meu primo e melhor amigo levava para mim toda segunda de manhã), tinha dúvidas sobre o meu corpo, sofria com menstruação, odiava quase sempre o meu cabelo e minhas unhas quebravam toda semana, bom uma garota comum. No meio daquela gente pálida a minha família chamava muito a atenção por sua pele bronzeada e cabelos volumosos,  eu achava um barato já que me fazia diferente das outras garotas. A família Adsumus, é, eu também acho esse sobrenome estranho mas tem um significado interessante, vem do latim e significa "estamos presentes", a minha família é bastante religiosa, você nunca diria isto não é? Na minha casa haviam cerca de dez bíblias espalhadas,orávamos ao acordar, durante as refeições e antes de dormir. Eu morava em uma casa de classe média, em uma rua de classe média com uma família classe média. Mamãe, era Jornalista local e acreditava muito em Deus, acreditava tanto que achava que a nossa família era especial. Papai, era pastor, é, eu sei o que você está pensando, "a filha do pastor é essa menina?" sim, eu mesma, mas não fui eu quem escolhi esse destino e por último mas não menos importante, Alan, o meu irmão mais velho, não tem muito o que falar dele, diferente de mim ele é o ser mais obediente que já andou na terra e não desgruda do seu eterno companheiro, um gato branco, folgado e gordo. 

Tudo começou em uma tediosa noite de sexta-feira e como de costume os jovens da cidade davam preferência ao bar, que ficava a duas quadras da minha casa. Quando anoitecia e os meus pais dormiam, eu escapava pela janela lateral do quarto e me juntava a galera, normalmente os meus melhores amigos, Kim e Gretta. Kim era um amor de pessoa e com uma aparência fofa, quase angelical, os seus cachos faziam todo o trabalho quando o assunto era encantar as oferecidas da cidade, estava sempre de moletom em tons claros e amava os seus tênis brancos, ai de quem ousasse pisar no seu pé, eu acredito que ele foi a melhor alma que eu já vi na vida. Por outro lado a minha única e melhor amiga, Gretta, usava apenas trajes pretos, tinha um aspecto gótico na composição de suas roupas, o engraçado era que suas botinhas eram sempre coloridas, talvez para combinar com as mechas do seu cabelo, ela tinha no máximo 1,50 de altura, apesar da aparência sombria também era um amor de pessoa e tinha uma relação maternal com o seu gato preto, Luck. Aquela noite se parecia com todas as outras que eu já havia vivido naquele bar, muita,bebida, garotos estúpidos, meninas querendo se tornar mulheres com os garotos estúpidos, jogos e uma boa música. De repente vi sentado à mesa um rapaz diferente e bonito, o que não era comum na cidade, com toda ousadia e pretensão de uma garota que não sabe nada da vida, encostei na mesa dele, e para puxar assunto perguntei das suas tatuagens, eram pontos e traços, era interessante e ao mesmo tempo sem graça, mas com aqueles olhos e aquele cabelo, o sem graça passava despercebido, e eu nem falei da jaqueta de couro preta, clichê dos bad boys de filmes que Gretta e eu insistíamos em assistir e eu adorava.

-Oi! - Apoiei os cotovelos na mesa afim de apertar os seios e exibir o meu decote. -  Gostei da tatuagem, o que significa?

- Sabe ler código Morse? – Respondeu ele em tom sério.

- O que é isso? - Respondi com ar de interesse, aproximando-me para ver mais de perto e exibir ainda mais o decote.

- Não estudou história? – Novamente em tom sério e mexendo em seu copo de bebida.

- Código Morse? – Eu nunca escutei isso na minha vida, tentei buscar as aulas de história do professor Rómen, mas não me veio nenhuma lembrança sobre Morse.

- Se não sabe o que é isso, não vale a pena eu te contar. – mais uma vez as suas expressões eram sérias e com respostas frias.

Aquela audácia, aquele cabelo e olhos negros me fizeram corar, fiquei constrangida e quando pude finalmente me recompor e olhar para sua face, percebi que ele nem tinha me olhado, estava sério, concentrado na sua bebida de cor azul. Me retirei da mesa totalmente sem jeito, olhei para trás e o desinteresse do novato misterioso era explicito. Frustrante. Tomei mais algumas bebidas com a Greta, que já estava me irritando por não largar uns livros velhos e amassados que ela achou em algum canto na rua. A esta altura a noite para mim já estava mais que estranha, mil perguntas assombravam o meu pensamento, que tipo de pessoa rejeitaria uma sutiã GG? Sim, esqueci de mencionar, mas talvez fique claro agora porque eu era tão popular. As horas iam passando e o cara não parecia nem escutar a música, todos já estavam bêbados, vi ao longe a patricinha da cidade pondo os olhos no gato de jaqueta, que permanecia imóvel, Alicia, digamos que ela era a Regina George da minha escola, um pouco mais bonita devo admitir mas com um gênio terrível.  Decidi voltar mais cedo para casa aquela noite, e nada melhor que pegar uma carona com o meu melhor amigo e primo, Kim. Ele era o típico fofo da cidade, que as mães querem que as filhas namorem e se casem, principalmente a minha. Conheço o Kim desde os cinco anos, quando ele veio morar na casa da vovó Bernadete, após o acidente com seu pai e a internação da sua mãe, tia Kathe. Ele foi o único garoto que nunca deu em cima de mim apesar da pressão familiar que sofremos, o que torna o misterioso o segundo garoto, o que para mim era inadmissível. Ao cruzar o seu olhar com o olhar gato de jaqueta de couro,Kim ficou desconfortável, percebi que havia algo de errado com ele, principalmente no momento em que o rapaz encarou fixamente a nossa saída do bar. Gretta não precisava de carona, a sua tia, Katrina Fuchs, era dona do Royale e elas moravam no porão  do bar, na companhia de um gato e vários livros velhos e amassados que faziam brilhar os olhos das duas, me despedi dela com um rápido abraço e corri em direção ao carro, onde Kim já estava, o rapaz mais fofo da cidade ? Não aquela noite.

- Está tudo bem, K? –Disse enquanto me atirava no banco fofo do seu carro. – Você conhece aquele cara?

- É, está tudo bem! – Disse que estava mas continuou olhando para o bar. – Por que não estaria, não é?

- É né? – Liguei o som do carro, ele tinha os melhores cd's do universo. – Não acredito, Bon Jovi! Arrasou.

- E você? Quis voltar tão cedo, estranho. Não é nem uma hora da manhã ainda. – Disse aos risos, ele sabia que eu só saia do bar quando o sol nascia.

- Tédio. – Ri para desfaçar, mas droga! O nosso melhor amigo sempre sabe.

- Conta, vai! – Disse ele baixando o volume do som, enquanto tocava misunderstood. – Garota eu silenciei Bon Jovi para te ouvir, agora vai ter que contar.

- É justo! Ta bom, é que eu meio que fui rejeitada. – Disse sem graça em meio a risos. – Mas não rí! Se ele tiver namorada tomara que terminem logo, desculpa Deus! 

- Quem foi esse maluco? – Disse aos risos. – Sério, quem foi?

- O estranho do bar, ele nem me olhou, nem me respondeu direito. Só ficou falando de Morse... - Fui interrompida

- Lua, me escuta! Por favor, não faz isso tá? Você não o conhece – Disse em tom sério e até um pouco arrogante. – Não fica legal pra você ficar atrás de homens desse jeito.

- Nossa! Quanta gentileza, você pelo menos conhece o cara? - Fiquei um tempo sem respostas, apenas o encarando. - Kim?

- Não importa. Eu só estou pedindo para não fazer o que você sempre faz, principalmente com esse cara! – Aumentou o volume do rádio e seguiu em silencio até em casa.

Neste exato momento, vi um Kim que não conhecia, ele não me desejou uma péssima noite como sempre fazia e nem me deu o tradicional beijo na testa antes de sair do carro. A única coisa que ouvi do meu melhor amigo naquele fim de noite mais que estranho foi um "se cuida! "

O Código da LuaWhere stories live. Discover now