V - Adsumus

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- Isso não são coisas para pessoas como nós filha. - Iniciou mamãe. - Nos relacionar com pessoas além da família, você sabe disso.

- O que você quer dizer com pessoas como nós ? Somos melhores que alguém? -  Olhei para Alan enquanto protestava em busca de apoio, sem sucesso. - Se acha melhor que alguém mãe ?

- Não somos como os outros, a nossa família não é como outra qualquer. - Interviu papai com calma. sentando-se ao meu lado e segurando minhas pernas que não paravam de balançar demonstrando minha ansiedade.

- Porra, eu já estou cheia dessa merda! - Soltei.

- O que disse ? - Mamãe levantou de um pulo do sofá me fitando.

- Mãe.. eu.. - Tentei me justificar, eu só queria ficar sozinha, processar a minha noite, a briga com o kim e o encontro fervente com o Viktor. - Mãe, Pai , desculpa!

- Que decepção, minha filha! - Disse papai, levantando-se lentamente do sofá.

- Duas vezes no mesmo dia né ? - Completou mamãe. - Não vou conseguir ter essa conversa agora, Suba! você está toda molhada, vai estragar o meu sofá.

Apanhei os sapatos e subi correndo as escadas, adentrei de uma vez o quarto e atirei-me na cama, estava cansada, física e mentalmente. Que noite! em apenas uma noite me tornei uma péssima amiga, péssima filha e péssima irmã, essa era eu e eu não sentia muito. Fiquei alguns minutos atirada na cama bagunçada, tomei coragem para me erguer e me arrastei até o banheiro, despi-me e de repente imaginei que era o Viktor quem o fazia, me arrepiei do dedinho do pé a ao ultimo fio do cabelo. Tomei um banho quente bastante demorado, como se a água lavasse todo o stress causado por essa noite turbulenta, ao me olhar no espelho percebo que ele havia deixado uma lembrança em forma de mancha roxa no meu pescoço, acariciei o local e veio a tona toda aquela sensação quando estive com ele, corei.  Não consegui dormir embora estivesse exausta, aquela conversa mal acabada com a minha família não me deixava em paz, para passar o tempo procurei algo para assistir no notebook, achei uns videos caseiros que fiz com Gretta quando eramos mais novas, preparando receitas e me diverti bastante vendo o quanto evoluímos em questão de aparência. Quando enfim ponho o cabeça no travesseiro ouço três batidas na porta do meu quarto, essas três batidas só podia ser o Alan, ele sempre fazia assim, ainda deitada gritei "entra" e  sim, era ele acompanhado do José. 

- Não consegui dormir, vejo que você  também perdeu o sono. - Disse ele me empurrando e deitado ao meu lado e José se aninhava na poltrona da minha penteadeira.

- É, essas coisas me deixaram um pouco atordoada. 

- Além do papai e mamãe ? - perguntou curioso.

- O Kimtus, sem noção. - revirei os olhos.

- Eu não vou conseguir descansar sem você saber o que se passa. - disse ele com ar de preocupação.

- Chá de hortalã ?  - Faziamos chá de hortelã para conversas sérias nesta casa.

- Sim, vamos precisar. - disse ele pouco animado.

Levantamos e descemos até a cozinha, Alan parecia o único a não me julgar naquela casa e eu sempre me senti segura com ele, podia contar os meus segredos, as minhas dúvidas, ele sempre esteve lá por mim, como um bom irmão e estava mais uma vez fazendo isso. Sentamos no balcão que dava para a cozinha americana, cada um com sua xícara de chá como nos velhos tempos  e então ele começou.

- Você tem aulas de história, não tem ? - Disse dando um grande gole no chá.

- Tenho, com o professor Rómen, foi seu também. 

- Então, a nossa história é muito, muito antiga. Você já ouviu sobre a peste negra eu suponho.

Confirmei com a cabeça.

-  A história da família Adsumus, nossos antepassados viveram a época em que essa peste se alastrou pelo país, essa pequena família era muito humilde, o pai pastoreava ovelhas, a mãe era dona do lar e cuidava dos seis filhos do casal, durante o surto da peste eles se isolaram em sua casa e rezavam dia e noite para que Deus os livrasse dessa maldição, e por sua fé eles foram abençoados pelo próprio Deus com a graça, e toda a família foi salva da peste, seus descendentes também seriam abençoados se continuassem com a linhagem pura dos Adsumus, então casaram-se uns com os outros e assim por diante, hoje mantemos a tradição para permanecermos merecedores da graça de Deus. Não ficamos doentes facilmente, vivemos por bastante tempo, o suficiente para ver os netos dos netos, por isso vou me casar com a Madaleine e você com o Kimtus, ou com outro primo, se você quiser  podemos procurar por outro que te agrade mais. - respirou como se tivesse tirado 1 tonelada das suas costas.

- Alan, é sério que você acredita nisso ? - Disse em tom de preocupação, era insano.

- A história não acaba aí, a família Adsumus não foi a única sobrevivente a praga. 

- Abençoada por Deus também ? - Retruquei em tom de deboche.

-Infelizmente eles não acreditavam tanto em Deus para serem concedidos a graça, eles buscaram outros meios. - Deu outro gole longo em seu chá. - Bebe o chá, vai esfriar.

- Continua. - Dei um pequeno gole, estava muito quente ainda.  - Que meios ?

- Eles venderam as suas almas para o diabo. - disse olhando-me fixamente.

- Ai, Alan! - cai no riso, eu não estava ouvindo aquilo.

- Lua, eu não estou brincando. Quanto antes você entender melhor. - Alan nunca era ríspido comigo, então passei a da-lhe ouvidos.

- Desculpe, Alan. é que isso é meio absurdo pra mim. - segurei o riso.

- Essa família, Lua, o seu sobrenome é Schwarz. Vlad Schwarz vendeu a sua alma e dos seus quatro filhos e esposa, eles tornaram-se uma espécie de demônio, passaram a vida inteira fazendo pactos e o nosso sangue é importante para um desses pactos deles, por isso o desespero da nossa mãe, o desgosto do nosso pai. - Havia pavor na face de Alan, minha família era louca.

- O que você está falando ? Que eu sai com um demônio é isso ? - Disse  fingindo estar indecisa.

- Sim. É isso que estou dizendo, eles tem presas e não saem durante o dia sem um anel prateado, você pode ver. Mas não precisa se preocupar eles não podem beber o nosso sangue. - Disse aliviado.

- Ah é ? e porque não ? - fingi que estava acreditando naquela bobagem, para acabar depressa.

- Por causa da graça que contem nele, eles são queimados de dentro para fora. - Disse cerrando o punho.

Levantei-me do banco, dei um beijo na testa do Alan e me retirei, não podia acreditar que eles inventaram essa história toda só para eu me acertar com Kim e me casar com ele. Eu devia ter cara de trouxa mesmo, mas pelo menos foi uma história divertida e que me deu um baita sono, deitei-me e num piscar de olhos dormir. 

Eu estava na chuva, em um beco escuro coberto de neblina, os céus trovoavam e o barulho era ensurdecedor, não havia uma alma na rua, quando de repente vi uma sombra crescendo atrás de mim, algo movia-se lentamente na penumbra, forcei os olhos e perguntei "quem está ai?" , minha visão já estava embaçada com as gotas d'água deslizando sobre a testa, senti o coração acelerar quando no escuro apareceram dois olhos vermelhos cintilantes, novamente perguntei "quem está ai?" e ouvi aquela voz, que me fez suspirar naquele mesmo beco, me causando arrepios "você sabe quem está aqui".


O Código da LuaWhere stories live. Discover now