◇ Capítulo 1 ◇

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Keeper Level: Nível dos Protetores

Shipper Level: Nível dos Embarcadores

Feeder Level: Nível dos Alimentadores

Amy

Papai disse: "Deixe a mamãe ir primeiro."
Mamãe queria que eu fosse primeiro. Acho que era porque ela tinha medo que depois que eles estivessem contidos e congelados, eu iria embora, retornaria para a vida ao invés de me consignar a uma caixa fria e transparente.

Mas papai insistiu.
"Amy precisa ver como será. Você vai primeiro, deixe-a observar. Depois ela poderá ir e eu estarei com ela. Eu vou por último."
"Você vai primeiro", mamãe disse. "Eu vou por último".

Resumindo tudo, a questão é que teríamos que ficar nus, e nenhum deles queria que eu os visse nus (não que eu quisesse vê-los no auge de seu resplendor nu, que nojo!), mas dada a escolha, seria melhor que mamãe fosse primeiro, uma vez que nossas partes eram iguais e tal.

Ela parecia tão magra depois que tinha se despido. Sua clavícula se destacava muito; sua pele tinha uma consistência de papel de arroz fino oleoso, que a pele das pessoas velhas tem. Sua barriga - uma parte que ela sempre mantinha escondida embaixo das roupas pendia de uma maneira enrugada, fazendo-a parecer mais vulnerável e fraca.

Os homens que trabalhavam no laboratório pareciam desinteressados na nudez da minha mãe, da mesma maneira que não se importavam com a minha presença e a do meu pai. Eles ajudaram-na a deitar na crio-câmara transparente. Parecia um caixão, mas caixões têm travesseiros e aparentam ser bem mais confortáveis. Aquilo se assemelhava mais a uma caixa de sapatos.

"Está frio", mamãe disse. Sua pele branca pálida pressionada contra a superfície da caixa.
"Você não sentirá", o primeiro funcionário grunhiu.
O nome no seu crachá era Ed.

Eu olhei para longe quando o outro funcionário, Hassan, perfurou a pele da mamãe com agulhas intravenosas. Uma em seu braço esquerdo na dobra da parte interna do cotovelo; a outra em sua mão direita, projetando-se naquela veia grande abaixo do nó dos dedos.

"Relaxe", Ed disse. Era uma ordem, não um tipo de sugestão.
Mamãe espremeu os lábios.
A substância dentro da bolsa de soro não fluía como água. Escoava como mel.
Hassan chacoalhou a bolsa, forçando o conteúdo a descer mais rapidamente.

Era azul como o céu, o azul das marianinhas1 que Jason tinha me dado na formatura.
Minha mãe assoviou de dor. Ed removeu uma fita adesiva plástica amarela do escalpe em seu braço. Uma corrente de sangue vermelho brilhante fluiu através do escalpe, entrando na bolsa. Os olhos da mamãe se encheram de água.

A substância pegajosa azul ligada ao outro escalpe resplandeceu, um lampejo suave do céu brilhando dentro das veias da mamãe, à medida que a substância entrava em seu braço.

"Tem que esperar chegar no coração", Ed disse, olhando de relance para nós.

Papai cerrou os punhos, seus olhos encarando minha mãe. Os olhos dela estavam totalmente fechados, duas lágrimas quentes presas em seus cílios.

Hassan balançou a bolsa da substância pegajosa novamente. Um fio de sangue correu de debaixo dos dentes de mamãe, do lugar onde ela comprimia seus lábios.

"Essa substância, é o que faz o congelamento", Ed falou em um tom de conversa, como um padeiro falando sobre como o fermento faz o pão crescer. "Sem ela, pequenos cristais de gelo se formam nas células e rompem as membranas celulares. Essa substância faz as membranas celulares ficarem mais fortes, entende? O gelo não quebra elas." Ele abaixou o olhar para mamãe. "Embora doa pra caramba."

O rosto dela estava pálido e ela estava deitada naquela caixa, não mais se movendo, como se qualquer movimento pudesse quebrá-la.
Ela já parecia estar morta.

"Eu quero que você veja isso", Papai sussurrou. Ele não olhava para mim - ainda estava encarando mamãe. Ele sequer piscava.

"Por quê?"
"Para você saber como vai ser, antes da sua vez."
Hassan continuou espremendo a bolsa com a substância pegajosa. Os olhos de mamãe reviraram-se por um minuto, e eu achei que ela tinha desmaiado, mas ela não tinha.
"Quase lá", Ed disse, olhando para a bolsa de sangue da mamãe. O fluxo tinha ficado mais lento.

O único som era da respiração pesada de Hassan à medida que ele apertava os lados da bolsa da substância. E um choramingo suave, como um gatinho morrendo, vindo de mamãe.

Um brilho suave fraco apareceu no escalpe que saia do braço da mamãe.
"Ok, pare", Ed disse, "já está tudo em seu sangue."

Hassan retirou os escalpes. Mamãe deixou escapar um suspiro crepitante.

Papai me empurrou para frente. Olhar para mamãe me lembrava olhar para vovó no ano passado na igreja, quando todos dissemos adeus e mamãe falou que ela estava em um lugar melhor.
Mas tudo o que isso significava era que vovó estava morta.

"Como é?" eu perguntei.
"Não é ruim", mamãe mentiu. Pelo menos ela ainda podia falar.

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