◇ Capítulo 3 ◇

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Mas meus olhos deslizaram para as pequenas portas na parede.

Dentro delas estava minha mãe e meu pai.

Eu chorei enquanto me despia.
O primeiro garoto que me viu nua foi Jason, apenas uma vez, na noite em que eu descobri que deixaria para trás tudo na terra, incluindo ele.
Eu não fazia ideia de que os últimos caras que me veriam nua nesse planeta seriam Ed e Hassan. Tentei me cobrir com meus braços e mãos, mas Ed e Hassan me fizeram retirálas para que eles pudessem introduzir os escalpes.

E, meu Deus, era pior do que mamãe demonstrou. Ai meu Deus, ai meu Deus. Era frio e queimava tudo ao mesmo tempo. Eu pude sentir meus músculos se deformando à medida que o líquido pegajoso azul entrava no meu corpo. Meu coração parecia querer me esmagar, batendo na minha caixa torácica como se fosse um amante batendo em uma porta, mas a substância pegajosa azul fez o oposto e meu coração começou a desacelerar.
Então ao invés de tumtumtumtum, começou Tum...
Tum...
... Tum...
... Tum...
Ed abriu meus olhos. Plop! O líquido amarelo frio os encheu, selando-os como se fosse cola. Plop! E eu estava cega agora.
Um deles, talvez Hassan, bateu de leve no meu queixo, e eu obediente abri a boca.
Aparentemente, não o suficiente - os tubos bateram em meus dentes. Eu abri mais.

E então os tubos foram forçados para dentro da minha garganta, duramente. Eles não eram flexíveis como pareciam; eram como um cabo de vassoura lubrificado, sendo
forçado em direção à minha garganta. Eu tive uma ânsia, outra novamente. Eu podia sentir o gosto de bile e cobre ao redor dos tubos de plástico.
"Engula", Ed gritou em meu ouvido. "Apenas relaxe".
Fácil para ele dizer.

Um breve momento depois e estava feito, meu estômago ardendo. Eu pude senti-los dentro de mim, sendo puxados e arrastados, à medida que Hassan os ligava à pequena caixa preta na parte de fora do meu próprio caixão caixa-de-sapatos.
Alguns ruídos confusos. A mangueira.
"Não sei por que alguém se inscreveria para isso", Hassan disse.
Silêncio.
Um som metálico - a mangueira estava sendo aberta. Frio, um líquido frio acertou minhas pernas. Eu queria mover minhas mãos para cobrir aquele lugar, mas meu corpo estava sem energia.

"Não sei", Ed disse. "As coisas não estão exatamente legais por aqui agora. Nada está bom desde a primeira recessão, e muito menos desde a segunda. O Recurso Financeiro de Migrações afirmava que ia trazer mais empregos, não era? Assim que não tiver mais nada além dessa droga de emprego, não vai demorar muito para todos eles serem congelados."

Outro silêncio. O líquido criogênico alcançou meus joelhos agora, infiltrando o frio naquelas partes do meu corpo que sempre estiveram aquecidas - a dobra dos meus joelhos, embaixo dos braços, embaixo dos meus seios.

"Não vale a pena abrir mão da sua vida, não pelo o que estão oferecendo."
Ed bufou: "O que estão oferecendo? Eles estão oferecendo o salário de uma vida, tudo em um só cheque."
"Não valerá nada em uma nave que não aterrissará por trezentos e um anos."

Meu coração parou. Trezentos... E um anos? Não - está errado. Eram exatamente trezentos anos. Não trezentos e um.
"Muito dinheiro pode com certeza ajudar uma família. Pode fazer a diferença."

"Qual diferença?" Hassan perguntou.
"A diferença entre sobreviver ou não. Não é como quando éramos crianças. Não importa o que presidente diga, a Reforma Financeira não será capaz de resolver esse tipo de dívida."
Sobre o que eles estão tagarelando? Quem se importa com dívidas e empregos? Voltem atrás com aquele ano extra!
"De qualquer forma, um homem tem tempo para pensar sobre isso", Ed continuou.

"Para considerar as opções. Por que eles adiaram o lançamento novamente?"
O líquido criogênico salpicou em meus ouvidos à medida que meu caixão caixa-de-sapatos se enchia; eu levantei minha cabeça.

Adiamento? Que adiamento? Eu tentei falar apesar dos tubos, mas eles enchiam minha boca, amontoavam-se sobre minha língua, silenciando minhas palavras.
"Não tenho ideia. Alguma coisa a respeito de combustível e revisão das sondas.
Mas por que eles estão nos obrigando a congelá-los todos no prazo?"
O líquido criogênico estava subindo rapidamente. Eu virei minha cabeça, para que meu ouvido direito pudesse capturar a conversa.

"Quem se importa?" Ed perguntou. "Eles apenas estarão dormindo o tempo todo. Dizem que a nave demorará trezentos anos para chegar ao outro planeta - que diferença faz um ano a mais?"
Eu tentei sentar. Meus músculos estavam muito rígidos e lentos, mas eu lutei.

Tentei falar novamente, fazer um som, qualquer som, mas o líquido criogênico estava transbordando sobre o meu rosto.
"Apenas relaxe", Ed disse bem alto próximo ao meu rosto.
Eu balancei a cabeça. Meu Deus, eles não sabiam? Um ano faria uma enorme diferença!

Seria mais um ano que eu passaria com Jason, um ano a mais em que eu poderia viver! Eu me inscrevi para trezentos anos... Não trezentos e um!
Mãos gentis - de Hassan? - me empurram para baixo no líquido criogênico. Segurei minha respiração. Tentei me levantar. Eu queria meu ano! Meu último ano - um ano a mais!

"Inspire o líquido!" A voz de Ed soou abafada, quase indecifrável por baixo do líquido criogênico. Tentei balançar a cabeça, mas os músculos do meu pescoço estavam tensos, meus pulmões rebelando-se, e o líquido frio entrando pelo meu nariz, passando pelos tubos, e entrando em meu corpo.

Senti a tampa sendo fechada sobre mim, me prendendo ao meu caixão de Branca de Neve.
À medida que um deles empurrou meus pés, deslizando-me para dentro do meu mortuário, eu imaginei que meu Príncipe Encantado estaria atrás daquela pequena porta, que ele realmente poderia vir e me beijar, me acordando, e que poderíamos ter um ano inteiro a mais juntos.
Houve um click, click, grr dos equipamentos, e eu sabia que o congelamento rápido começaria em alguns poucos momentos, e depois minha vida não seria nada mais além de um sopro de vapor branco através das frestas da porta do meu mortuário.
E eu pensei: Pelo menos vou dormir. Eu vou esquecer, por trezentos e um anos, de todo o resto.
E então pensei: Isso será bom.
E depois woosh! O congelamento rápido preencheu a minúscula câmara. Eu estava no gelo. Eu era gelo.

Eu sou gelo.

Mas se eu sou gelo, como estou consciente? Eu deveria estar dormindo; eu deveria esquecer o Jason, minha vida e a Terra por trezentos e um anos. Pessoas já tinham sido congeladas antes de mim, e nenhuma ficou consciente. Se o cérebro da pessoa está congelado, não pode estar acordado ou alerta.
Eu já li sobre vítimas de coma que pareciam estar dopadas com a anestesia durante uma operação, mas que na verdade estavam acordadas e sentiram tudo.

Eu espero - eu rezo - para que não seja meu caso. Eu não posso ficar acordada por trezentos e um anos. Eu nunca sobreviveria a isso.

Talvez eu esteja sonhando agora. Eu já sonhei uma vida toda em um cochilo de meia-hora. Talvez eu ainda esteja no intervalo entre não estar e estar congelada, e tudo isso é um sonho. Talvez nós não tenhamos deixado a Terra ainda. Talvez eu ainda esteja naquele ano de limbo antes da nave partir, e eu estou presa, amarrada em um sonho do qual não posso acordar.
Talvez já se tenham passado trezentos e um anos.

Talvez eu não esteja adormecida ainda. Não totalmente.
Talvez, talvez, talvez.
Só tenho certeza de uma coisa.
Eu quero meu ano de volta.

1 Pequena planta anual de flor azul a violeta, nativa da Europa

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⏰ Última atualização: Nov 08, 2019 ⏰

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