Os losers vão ao cinema - Prólogo

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Richie Tozier estava ansioso, não por algum motivo em particular que ele soubesse, apenas ansioso. O relógio da cozinha marcava as seis e quarenta e cinco da noite, estavam atrasados. Três batidas na porta da frente indicavam a chegada de Bill Denbrough, Stanley Uris e Mike Hanlon. Denbrough usava uma blusa branca com as mangas azuis, seus cabelos ainda molhados do banho, já Stanley vestia sua famosa camisa de botões quadriculada. Mike estava com uma blusa básica e cinza. Todos estavam tão simples que as camisetas floridas e extravagantes de Tozier pareciam um circo alegórico. Mas ele as adorava. Seu armário inclusive parecia um grande circo, eram tantas estampas e cores que você poderia facilmente se perder lá dentro. Sua mãe dizia que eram camisas de mulheres idosas, mas Richie não se importava.

— Estão atrasados. — Richie alertou enquanto fechava a porta da frente.

— O idiota do Bill não saia do banho. — Stanley alegou acertando um tapa na nuca de Denbrough que murmurou um "Seu merda" em resposta.

— O Eddie vai matar a gente.

— Não diga, Hanlon, conta uma novidade. — Richie debochou.

— Vamos logo, cacete!

Stanley disse com rispidez, subindo em sua bicicleta enquanto era acompanhado por seus amigos. Todos estavam pedalando de forma frenética, estavam atrasados 'pra caralho. Ben Hanscom e Beverly Marsh não seriam um problema, por mais que esperar quarenta e cinco minutos na frente de um cinema fosse um saco, eles reclamariam e acabaria ali. Mas com Eddie Kaspbrak as coisas eram diferentes. Ele certamente reclamará até o último segundo em que estiverem finalmente sentados na sala de cinema, depois do filme retornaria o assunto falando sobre responsabilidades e alguns dias depois, um dos quatro cometeria um erro e ele diria "Que nem daquela vez em que você nos deixou plantados por quarenta e cinco minutos!". Esse era Eddie Kaspbrak. Um verdadeiro mala. Mas esse era seu charme.

— Vocês estão exatos quarenta e oito minutos atrasados. — A voz do menino baixinho ecoou até a área onde guardavam as bicicletas. —
Perdemos exatos cinco minutos de trailers, o que nos dá apenas cinco minutos para entrarmos, comprarmos pipoca e chegarmos na sala.

— Eddie, eu cheguei tem dois minutos e eu já não aguento mais ouvir a sua voz. — Stanley reclamou enquanto pegava do bolso uma nota de cinco dólares para comprar seu ingresso.

— Blá, blá, blá! Vamos logo, urina, se eu perder um segundo desse filme arrebento a cara de vocês. — Kaspbrak afirmou abrindo sua pochete e puxando dois ingressos. —
Toma aqui, seu otário.

Era para Richie. Por mais que Tozier passasse 24 horas por dia implicando com Eddie, o garoto ainda tinha seus momentos de gado pelo o maior, fazia questão de fazer as coisas pois sabia que Richie era extremamente desmiolado para certas. Ele não era burro, mas era lento e esquecido, também fazia tantas piadas que na maioria das vezes não conseguia falar sério sobre algo. Eddie sabia disso, sabia também que o menino esqueceria o dinheiro de hoje a noite, por isso já havia comprado seu ingresso. Richie pôs a mão no bolso traseiro no momento em que Eddie lhe estendeu o bilhete, notou que estava vazio e então estapeou todos os seus outros bolsos para ter certeza de que sua carteira não estava em outro lugar. E estava, em sua casa.

— Ah merda! Esqueci a carteira por culpa desses otários.

— Ei! Não pode jogar a culpa na gente, você que deixou essa droga em cima da mesa. — Stanley reclamou.

— Tem como vocês calarem a boca e entrarem logo nesse cinema? — Foi a vez de Beverly falar, o fardo de ser a única menina no grupo era pesado, carregava todos os neurônios consigo.

Todos juntaram seus pertences e aqueles que ainda não tinham ingressos correram até a bilheteria, os outros foram até a fila da pipoca, apenas Eddie e Richie foram responsáveis pelos doces. Kaspbrak pegava algumas balas de goma e marshmallows enquanto Richie olhava atentamente seus movimentos, ajeitando os óculos em sua face algumas vezes. Limpou a garganta antes de finalmente abrir a boca para falar.

— Obrigado pelo ingresso, Eddie. — Richie disse com as mãos nos bolsos frontais da calça jeans surrada que vestia naquela noite.

— Eu sabia que você ia esquecer o dinheiro, é bem previsível.

— Como se eu sempre esquecesse a carteira! — Richie resmungou. Mas sabia que estava errado, ele sempre esquecia a carteira. — Ok! Talvez eu tenha esquecido uma ou duas vezes.

— Só cala a boca e me ajuda com esses doces.

Eddie o mandou pegar algo com chocolate. Richie pegou algumas barrinhas de caramelo e Eddie voltou com algumas de aveia. Eddie tinha uma extrema mania de saúde, então, por mais que gostasse de porcaria, vivia tentando enfiar goela a baixo essas barrinhas de cereais de aveia light que sua mãe costuma o dar. A senhora Kaspbrak era o que podemos dizer de maluca. Além de lotar o filho de remédios vivia o dizendo sobre as milhares doenças que poderia pegar apenas brincando na grama. Era difícil para ele acompanhar o resto do clube, já que nenhum deles tem essa visão de um mundo sujo como Eddie tinha. Chegava a ser triste. Mas ele continuava gostando das barrinhas de cereais. Richie as odiava, todos odiavam. Ben gostava um pouco delas.

— Ah não, Richie, deixou o Eddie comprar essas barrinhas de cereais?!

— Mike pegou uma das barras fazendo uma careta.

— São saudáveis, ok?!

— Quando você pegou essa merda, Eds? — Richie reclamou. — Te deixei sozinho por 3 segundos.

— Meu nome é "Eddie", e o Ben também gosta das barrinhas.
Todos os olhares se viraram para Hanscom. Ele agora alternava entre olhar para os outros e para Eddie, já estava com duas barrinhas nas mãos. Ele realmente aprendeu a gostar delas.

— Que foi? São saudáveis.

O clube dos otários respirou em uníssono. Como discutir com Eddie Kaspbrak quando alguém entende suas doideiras? Ignorar era a solução. Melhor do que dar corda para maluco, como Mike costumava dizer. Todos se dirigiram até a sala de cinema, era o dia de estreia de "A bolha assassina". Estavam com medo, mas nunca diriam um para o outro, por tanto apenas tentaram se manter quietos durante os sustos que o filme os rendia. Era difícil para Eddie, já que se assusta facilmente. Percebeu que sentar ao lado de Richie foi um erro quando o maior passou a assusta-lo de propósito. Richie gostava de pegar no pé de Eddie, era como seu parque de diversões pessoal. Gostava de ver como seu rosto ficava vermelho de raiva, como sua voz ficava mais aguda e como ele falava mais rápido do que o normal. Ver Eddie estressado era a melhor parte de seu dia. Pode parecer maldade, mas não era bem por maldade. Tinha algo em ver Eddie gritando "Richie" de forma estridente que o alegrava. Sempre foi assim. Richie gostaria de saber o motivo.

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O grupo de amigos caminhava com suas bicicletas pelas ruas quietas de Derry. Ben e Beverly cochichavam juntos sobre algum dos milhares de segredos que tinham juntos. Stan e Mike discutiam sobre algo que Richie não fazia questão de prestar atenção, já Eddie e Bill brincavam de pedra, papel e tesoura juntos um pouco mais na frente. Richie se sentiu incomodado. Não era incômodo como dormir do lado errado da cama. Ou como quando seu pé está formigando. Era um incômodo. Ele queria que parasse.

— Ei, boiolas!

Todos congelaram por alguns instantes, era a voz de Henry Bowers que ecoava pelas ruas desertas e escuras. Henry Bowers era o filho do chefe do departamento de polícia. Henry Bowers era um homofóbico, machista, valentão e sem limites que perseguia todas as crianças de Derry com seus capangas idiotas ao seu lado. Henry Bowers era a própria reencarnação do diabo. Céus, como odiavam essa cara. Havia ficado mais difícil para ele persegui-los desde que começaram a andar juntos, Bowers passou a implicar com outras crianças e deixar o clube dos otários de lado. Mas agora, ele estava entediado e aquele grupo de amigos estava no lugar errado, na hora errada. O medo tomou conta do corpo de cada um deles, por mais que reunissem coragem na maioria das vezes para o enfrentar, nunca se sabe do que Henry é capaz, ele era uma caixinha de surpresas. As lanternas do carro ilumiava alguns dos garotos, que assim que ouviram o barulho do acelerador sabiam o que estava prestes a acontecer.

Merda! — Richie gritou assim que viu o veículo se aproximar velozmente de si e seus amigos.

Boom! Como uma explosão. Um baque. Richie sempre ouvia histórias de como a última coisa que se via antes de morrer era a luz do fim do túnel, a famosa luz do paraíso. Richie viu a luz do conversível fodido de Bowers.

Noites de verão - ReddieOnde histórias criam vida. Descubra agora