Ainda era cedo quando os otários se encontraram na sede, cada um em seu próprio mundinho como de costume. Beverly aos cochichos com Ben; Mike, Bill e Stan conversando e Richie lendo uma revista em quadrinhos enquanto Eddie cronometrava com certa dedicação o tempo que o maior passara na rede. Todo dia era assim, eles se encontravam na sede, brincavam, brigavam, conversam o dia todo até que a lua fizesse presença no centro do céu azul escuro quase preto e estrelado, quando os grilos começassem a cantar, eles saberiam que deveriam ir embora, mas ainda passavam mais algum tempo procrastinando já que ir para casa era torturante. Nenhum deles queria ir para casa. Então, quando o frescor de capim acompanhado da brisa gelada os encontrava, eles se despediam e partiam para suas residências. Tristes, porém alimentados por saberem que no dia seguinte, a rotina se repetiria. Era comum que todos ainda tirassem alguns bons minutos para caminharem por todas as ruas possíveis daquela cidade, onde eles observavam o quanto Derry conseguia ser até que bonita a noite. Alguns diriam que a cidade parece morta com o luar a corrompendo, mas para o clube dos otários, a cidade sempre era morta de um jeito ou de outro, não importa se está sendo iluminada por um sol escaldante qual pode sentir a pele queimar, ou pela lua gélida que se escondia no topo da colina. Era Derry, nada lá era vivo. Então chegavam em casa por volta das onze da noite, quando os pais davam o mesmo sermão de sempre sobre o horário e os mandava para a cama. As vezes o sermão não vinha, apenas uma olhada atravessada por precaução. Deitavam em suas camas quentes ainda lembrando dos calafrios que sentiram até que finalmente pudessem se enrolar em seus cobertores, e então, estavam vivos. Arriscando a dizer até que, a única coisa viva naquela cidade eram eles. E mais ninguém.
Eddie bateu os pés impaciente enquanto o beep do relógio em seu pulso continuava ligeiro. Era hora de trocar, Richie deveria sair dando lugar a Eddie na rede, que poderia ler sua X-MEN número 8, quentinha ainda embrulhada no plástico protetor que Eddie manteve em ótimo estado. Mas Richie não saiu e Eddie bufou em resposta.
— Richie, acabou a sua vez.
— Ahn?
Richie se fez de desentendido olhando de relance para Kaspbrak, mas então voltando sua atenção para o quadrinho recém lançado da Mulher Hulk que estava em suas mãos.
— Sai logo daí, cacete! — Eddie reclamou já estressado.
Richie nem se mexeu, nem piscou. Eddie se perguntava se ele ao menos tinha respirado, parecia tão focado que nem dera atenção para as lamentações do menor. Eddie então empurrou violentamente as pernas de Richie para o lado e se enfiou no canto da rede, ocupando metade da acomodação. Ambos quase caindo, e um Eddie esperneando por mais espaço, Richie se mexeu de volta e assim começou a batalha épica entre Richard Tozier e Edward Kaspbrak pela rede da sede do clube dos otários.
— Que merda, Eddie! Não 'tá vendo que não cabe?!
— Por isso você tem que sair!
— Por que eu tenho que sair?! — Richie perguntou indignado. — Eu consigo ver a sua vagina! — Comentou apontando para as pernas arreganhadas de Kaspbrak que agora batia com o pé no rosto do mais velho, arrancando seus óculos de lentes grandes.
— O seu tempo já acabou!
— Enfia o tempo no...
— Beep Beep, Richie! — Beverly gritou do outro lado da sede e Richie revirou os olhos.
— Será que um dia eles vão se entender? — Mike questionou apontando para os dois garotos que ainda se empurravam de um lado para o outro.
— Nem a g-gente entende e-e-eles. — Bill respondeu com certa dificuldade por culpa da gagueira, e logo voltou a se concentrar na partida de xadrez que jogava com Stanley.
A briga cessou quando Richie aceitou a estadia, Kaspbrak tinha uma perna de dobrada e a outra esticada, e Richie mantinha uma mão na perna dobrada de Eddie. Os dois liam quietos, tirando Richie que dava alguns apertos na perna do menor, que se remexia em resposta. Aos poucos, Richie começou a batida de "Don't Let Me Down" dos Beatles na mesma, com os dedos apertando as partes gordinhas da perna do garoto, que sentia um friozinho na barriga ao notar seus toques, seus bobos toques. Beverly dançava com Ben, o girando de um lado para o outro, Mike empurrava os ombros de Bill e Stan, que deixavam as risadas acoarem pelo esconderijo. O refúgio da verdadeira Derry.
Aos poucos, cada um deles deixavam o local, primeiro Ben acompanhado de Beverly, então Mike e Stan seguiram algumas horas depois. Bill, Eddie e Richie continuavam largados pelos cantos, mas bastou olhar duas vezes para o relógio e para os amigos, que logo Denbrough disse que também já pegaria o caminho para casa. Richie se atentou em correr, para alcançar o menino que puxava sua bicicleta entre a grama, gravetos e o lixo espalhado pelo chão.
— Bill! — Richie gritou chamando a atenção do moreno.
— O-oi, Richie.
Richie balançou os braços grudados no corpo, estava envergonhado.
— Eu queria... Pedir desculpas. — Bill ergueu uma das sobrancelhas, confuso. — Você também se machucou e... Eu não mostrei muito apoio, eu sinto muito.
Richie parecia chateado mesmo, consigo mesmo, se sentia um péssimo amigo.
— Tudo bem, Ri-richie. Eu não 'tô chateado.
— Ah, beleza.
— Beleza.
Um silêncio se fez presente. Richie deu alguns passos até Bill e o puxa para um abraço rápido e desengonçado, ambos pareciam dois robôs, era até mesmo cômico. Após se separarem, algumas limpadas de garganta se foram ouvidas e um "Tchau" quase inaudível. Richie se virou ainda rígido, mas com um sorrisinho no rosto. Eddie continuava na rede, com um quadrinho diferente em mãos dessa vez. Richie se jogou em cima do garoto, que passou um bom tempo proclamando xingamentos que mal podiam se entendidos.
— O que foi, Eds? Quer que eu saia? Aqui é tão confortável...
— Sai de cima de mim, seu idiota.
— Oh... Então... Você quer ficar por cima, Eds? — Richie perguntou fingindo surpresa, com um olhar malicioso direcionado a Kaspbrak, que em resposta deu diversos tapinhas no garoto até que ele finalmente saísse.
— Mas você é um otário mesmo.
Eddie estava morto de vergonha, com as bochechas coradas da mesma forma que a pontinha do nariz. Richie achava fofo a forma que sua boca virava em um bico emburrado, ele tinha vontade de sentir se seus lábios eram tão macios quanto pareciam. E eram, mas cabia a Richie matar a dúvida. Ele impulsionou o corpo na rede, com o intuito de se aproximar do menor. Sua mãos trêmulas se posicionaram na cintura fininha e pequena, quase quebradiça, com os olhares fixos um no outro, Richie deu o primeiro passo. Se aproximou tanto que podia sentir o hálito de balas de goma em forma de ursinhos que Eddie havia comido mais cedo. Foi quando em um salto, Eddie já estava de pé, longe de Tozier que ainda tentava entender como Kaspbrak havia se afastado tão rapidamente. A respiração do menor estava desregulada e seus dedos inquietos mexiam com a barra de baixo do shorts, tentando achar algo no que se segurar com força. Parecia que estava caindo. Caindo de nervoso puríssimo. Richie iria beijá-lo? Eddie se perguntou.
— E-eu... Eddie...
Eddie não respondeu, ele apenas correu escadaria a cima, agarrando tremulamente a bicicleta e de forma desengonçada e partiu no meio dos arbustos pouco iluminados.
Richie só conseguiu raciocinar após alguns longos minutos.
— Que merda!
Richie estava com raiva de si, por que diabos havia tentado beijar Eddie? Ele sabia que não podia, que aquilo era uma entrada proibida, mas fez. Richie não poderia estar mais arrependido. Eddie nunca mais olharia na cara, Eddie contaria a todos que ele era um viadinho, que ele tentara lhe beijar e diria o quanto sentia nojo de Tozier.
"Richie bichinha Tozier"
Richie pensou todas essas coisas, e repensou, e pensou de novo. A cabeça doeu. Um zumbido irritante tomou conta de um de seus ouvidos, ele estava atordoado e sentiu algumas lágrimas tentarem escapar. Havia perdido Edward, tinha certeza disso.
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Noites de verão - Reddie
FanfictionPorque para Richie, estar apaixonado por Eddie era como um coma. [a fanart na capa não me pertence, os créditos são completamente do artista] [também postada no spirit]