Não sei quando foi à última vez em que estive acordado. Tampouco me lembro de ter dormido. A última coisa que lembro é de ter aberto os meus olhos com muita dificuldade em meio à branquidão das paredes ao meu redor que quase me cegavam. Não sei onde estou agora e isso nem é o que mais me preocupa no momento. Tenho muito mais medo do fato de que nem ao mesmo me lembro de quem sou.
Levanto apenas meu corpo que jazia esparramado de maneira desleixada no chão. Sento-me e olho ao meu redor tentando trazer algo que possa me ajudar a recordar minimamente o que eu poderia estar fazendo ali — ou mesmo o meu próprio nome — mas nada me traz a menor lembrança de um lugar em que eu pudesse ter estado antes. Esse certamente era um lugar novo. Talvez. Quando não nos lembramos de nada qualquer lugar é um lugar novo. Tento espantar o medo e a insegurança que me afligem.
Preciso colocar a minha cabeça para funcionar.
Eu estava no que parecia ser um cômodo vazio de cerca de quatro metros quadrados sem qualquer porta ou janela. Todas as paredes, o teto e o chão eram impecavelmente brancos e limpos. Assustadoramente limpos, eu diria. Com toda certeza um local que era cuidado por alguém. Provavelmente não eu, já que nunca fui assim tão limpo em minha vida, disso eu tenho certeza. Será que saber disso é um sinal de que minha memória está voltando? Acho que não, ainda não me lembro de quem sou.
Tento levantar do chão, mas minhas pernas doem como se eu já não as usasse com muita frequência. Ou talvez tivesse sido sedado? A sensação mesmo era de que nunca as tinha usado na vida. Melhor continuar sentado por enquanto. Olho para meu corpo e meus braços tentando achar algum sinal de seringa ou acesso hospitalar. Algo que pudesse explicar tanto a minha falta de memória quanto aquela imaculada sala branca, mas nada me salta a vista de imediato. Apenas minhas roupas igualmente brancas. Uma camiseta e uma calça de tecidos leves.
Além disso, eu possuía uma pulseira, também branca, no pulso esquerdo. Passei os dedos pela sua superfície tentando identificar do que seria. Era um pouco grossa, parecido com a pulseira de um relógio, mas leve, e até de certa maneira maleável. Seria plástico? Todavia, eu poderia garantir que houvesse algo em seu interior. Por que outro motivo se faria uma pulseira de plástico com aquele tamanho se não segurava um relógio, por exemplo? O que havia de importante com ela deveria estar no seu interior.
Antes que pudesse sequer pensar em quebra-la para saber o que haveria por dentro, um barulho agudo de tilintar seguido de algo se quebrando me distraiu.
Quando se está só em um local vazio e silencioso, é impressionante o quanto se pode aprender com o menor dos barulhos. Não só cheguei a conclusão de ter sido um copo se quebrando, como também pude calcular que não estaria muito longe. O barulho abafado indica que veio de alguma outra sala próxima, e o eco que se seguiu poderia indicar um possível corredor que conectaria essas salas.
E a última de minhas conclusões foi de que eu não estava sozinho.
Um súbito frio na barriga me atingiu e eu não tive folego para gritar por ajuda, que teria sido um de meus instintos. Não, toda aquela situação me gerava mais angústia do que uma necessidade de ajuda. Se eu estava trancado naquele lugar e havia alguém do lado de fora, certamente seria a pessoa que me trancou ali, e se eu pretendia sair daquela situação, alertá-los de meu estado consciente não seria o caminho mais ideal. Manter o silêncio e continuar a minha investigação me parecia o mais racional.
A claridade daquela sala me incomodava mais do que deveria. Principalmente porque não havia um foco de luz único. Ela parecia emanar de todas as paredes e do teto. Olhando bem, o motivo eram as próprias paredes que não eram do material mais comum. As divisões que antes pareciam ser de grandes azulejos, eram na verdade grandes blocos de um material semelhante a um couro branco que reluzia a luz vinda de todas as direções. Como eu não estava muito longe de uma das paredes, estiquei meu braço para trás e tentar senti-la. O material cedeu alguns centímetros e voltou ao lugar quando afastei meus dedos. As pareces eram do que parecia ser um almofadado firme. O chão também, agora que olhei para baixo onde estava sentado.
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Biopunk 2060
Science FictionNa década de 60 do segundo milênio, o mundo vive um momento de pós-era da informação. Com o crescimento da tecnologia de inteligência artificial, as pessoas vivem um novo período onde acessar suas memórias pode ser tão fácil quanto acessar o HD de s...