Primeiro Evento Parte II

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II. Negação

   Horas passaram depois do sucedido. Estou sentada nas escadas de três degraus para a porta traseira de minha casa. Foi-me dito que estou em choque, que me deveria afastar para meu próprio bem. A verdade é que não sei o que significa estar em choque. Sinto-me um tanto atarantada, como que a viver um pesadelo, mas de olhos abertos. Nunca me ensinaram a diferença entre realidade ou imaginação, por isso, como sei a diferença? Não dizem que tudo é relativo? Talvez a morte da minha irmã seja relativa. Mas em que moldes?

   Ouvi agora uma voz diferente. Espreitei pela porta aberta, que dava visão para o corredor principal e vi um homem estranho passar com uma mala castanha e pesada. Quando ele subiu as escadas, começaram os murmúrios.

   - Pobrezinho - começou a minha tia mais velha, - o corpo dela... seria preciso um milagre para que o homem conseguisse fazê-lo parecer normal.

   - Eu ainda estou incrédula. Como é que ratos foram comê-la? - continuou uma das minhas vizinhas com idade para ser minha avó.

   - Aquilo que me deixa mesmo incrédula é como a Kate não foi atacada também - disse outra das minhas tias, fazendo os olhares decaírem na minha direção.

   Voltei as costas aos olhares e levantei-me. Decidi caminhar pela rua. Com certeza não dariam pela minha falta. Afinal, era o meu aniversário e ninguém se lembrou disso. Só a Felicia, que depois decidiu ser comida por ratos e fazer do dia sobre ela.

   "Aplausos, irmã", pensei. Até na sua morte conseguiu ser insuportável.
Passei a mão na testa. Estava muito calor, sentia pequenas gotas de suor a descer-me pelo pescoço. Apesar deste desconforto, pelo menos, as pessoas na rua não olhavam para mim como se fosse culpada por estar viva. Na verdade, não olhavam para mim de todo.

   - Eles não sabem - sussurrei a mim mesma. Foi assim que percebi o que me fez sair de casa. Nem eu sabia que a minha irmã estava morta. O meu eu consciente estava em negação.

   Voltei-me para trás e vi a minha casa. As portas estavam abertas, pessoas entravam e saiam com cestas cheias de coisas para mostrar o seu apoio. Quando estava no meio daquilo, parecia um circo. Todos tinham vindo ver o triste tigre a quem iriam amputar a perna e fingir tristeza que, na verdade, era mera curiosidade. Quase ninguém gostava da minha irmã. A maioria daquelas pessoas ter-lhe-ia dito olá e falado com ela sobre o tempo. Apenas isso. Eles não sabiam quem ela era. Se quiser ser sincera, nem eu sabia. Partilhávamos o quarto, comíamos e víamos televisão juntas, mas era só isso. Ela nunca me contou nada sobre ela, porque eu nunca lhe perguntei ou lhe dei oportunidade. Estava tão ocupada com achá-la insuportável que não a deixei se mostrar. E agora era tarde demais para isso...

   - Ela morreu!

Força DesconhecidaOnde histórias criam vida. Descubra agora