Há cinco anos

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Com Hana, sempre foram os olhos. Quando ela entrou na sala de aula pela primeira vez, sua fama a precedia: a garota transferida vinda de Paris que, diziam os mais empolgados, era descendente de Godard e tão talentosa quanto - o que era praticamente o mais alto pedigree em uma faculdade de Cinema. A postura foi provavelmente a primeira coisa na garota a destacá-la dos demais - a ascendência francesa evidente em cada gesto, naquela elegância despreocupada e magnética. Não era exatamente bonita, mas interessante a ponto de não ser possível passar indiferente a aura que a envolvia. Foi apenas quando ela se sentou ao seu lado, contudo, usando aqueles malditos olhos para prender os seus, que ele teve certeza: nada no mundo superaria o modo como ela era capaz de desarmá-lo com um olhar.

"Você é sempre tão sério, jaqueta de couro?"

Ele mal teve tempo de pensar em uma resposta, porque no instante seguinte ela lhe presenteava com o primeiro sorriso: não uma gargalhada aberta, como muitas que viriam a seguir - Hana, como ele viria a perceber, não economizava risadas. Aquele, contudo, foi um sorriso de canto em que eram os olhos os verdadeiros protagonistas: eles sorriam ainda mais que os lábios, parecendo lhe convidar a se juntar a eles. Ele sorriu, aceitando o convite sem saber que ali, o fazia por uma vida inteira.

Um ano depois, ela ainda não suportava vê-lo sério - "Isso não fica bem em você, Channy", ela diria, tocando a ruga entre suas sobrancelhas - e ele não aprendera a conter o sorriso que tomava conta de seus lábios sempre que ela parecia tão livre. Tão Hana. Observando-a através da tela da câmera, perdia-se no modo como os olhos dela vagavam irrequietos: eles pareciam absorver o mundo e beber toda aquela beleza, alimentando-se dela.

– Chanyeol! - brigou, tão logo percebeu que o alvo da câmera não era mais a paisagem, e sim ela. Sempre ela. Erguendo uma das mãos, aproximou-se da lente de modo a se esconder, mas o último sorriso que deu à filmagem fez com que o rapaz agradecesse aos céus por ter capturado aquilo com a câmera. Ele retornaria àquele filme uma boa dose de vezes no futuro, admirando o modo como os olhos dela se estreitavam e denunciavam seu sorriso parcialmente encoberto pelas mãos - Para com isso! - fez um bico, empurrando a mão dele para baixo.

– A ideia foi sua... - ele sorriu de canto, dando de ombros - Não é culpa minha se você entrou na frente da câmera. - completou, alargando o sorriso quando ela rolou os olhos - Eu sei reconhecer um bom take quando vejo um, ok? - ergueu os braços defensivamente, admitindo, sem intenção, que ela era o melhor dos quadros que ele poderia ter capturado com as lentes.

– A ideia era explorar isso, e não eu! - Hana abriu os braços como se quisesse abraçar o mundo: o céu colorido do fim de tarde, a grama queimada de sol e as árvores outonais. E havia tanto magnetismo nela que Chanyeol duvidava que a natureza não fosse, de fato, curvar-se à sua vontade.

– Você disse "belezas cotidianas". - o garoto respondeu, encolhendo os ombros em um gesto que era tão, tão seu. De fato, aquele era o tema que Hana havia escolhido para seu projeto do semestre na faculdade de Cinema, o qual nomeara "Inefable, um olhar sobre o cotidiano", título tão charmoso quanto ela própria. Sua ideia era captar o singelo, e ela sabia o quanto o olhar de Chanyeol seria importante naquilo: ele era artístico e poético em cada uma de suas escolhas visuais, e se alguém podia mergulhar com ela no conceito do curta, era ele - Acho que isso se aplica. - ele apontou para o visor da câmera que tinha a imagem congelada do rosto dela contra o pôr do sol.

Hana sorriu, e o sorriso logo se transformou em uma risada: ela não era a melhor das pessoas quando se tratava de receber elogios, ainda que Chanyeol fosse um especialista em fazê-los. Era engraçado como eles nunca pareciam planejados - e de fato não eram - e como eram sempre pouco usuais. Como tudo sobre ele, na realidade. Channy era o tipo de cara que elogiaria suas mãos, e diria o quão completamente arriscados eram seus roteiros - o que, ambos sabiam, era um grandíssimo elogio para ela.

– Vem, chega por hoje. - a garota mordeu um sorriso, dando um puxão descontraído na manga de sua jaqueta antes de andar até a traseira da velha caminhonete dele, subindo na caçamba com um salto - Salud! - saudou, estendendo para ele uma garrafa de cerveja que pegara no cooler que levaram para tornar o dia de filmagens menos exaustivo.

Chanyeol aceitou a cerveja com um sorriso mínimo, levando-a aos lábios enquanto se acomodava ao lado da mulher, os olhos se deixando encantar pela beleza que os últimos raios de luz do dia provocavam ao iluminar a vegetação diante deles.

– Eu me sinto tão pequeno aqui... - Chanyeol murmurou, como se um tom mais alto pudesse quebrar a harmonia do ambiente. Hana acenou, compreendendo o que ele sentia: por mais que o ritmo frenético da cidade pudesse ser sufocante e aterrador, aquele vazio associado à imponência da natureza que os cercava fazia com que se dessem conta da própria pequenez.

– Nós temos muitas planícies na França. - ela começou, e Chanyeol a conhecia o suficiente para reconhecer uma expressão de saudade quando a via - Quando eu era criança, às vezes olhava pra aquele horizonte sem fim e me perguntava como seria o outro lado do mundo... - Hana sorriu, levando a cerveja aos lábios antes de continuar, já tendo os olhos ávidos do rapaz sobre si: qualquer história, quando vinda dela, parecia-lhe a narrativa de um sonho. Era feito viajar para o mundo de Hana, e ele podia dizer sem dúvidas que aquele era um de seus destinos favoritos, ainda que não fosse sequer um lugar - Agora eu estou aqui. - ela deu um sorriso pequenininho - E é tudo tão, tão igual... - soltou um risinho pelo nariz, surpresa com o próprio devaneio.

– Igual? - Chanyeol franziu o cenho, verdadeiramente curioso acerca do ponto que ela tentava levantar: ele podia pensar em uma dúzia de diferenças, e duvidava que ela também não as notasse.

– A cultura é diferente, claro. - Hana abanou aquela percepção superficial com uma das mãos, voltando ao que era realmente o cerne de sua questão - Mas o que nos faz humanos, Channy, isso não muda. - sorriu, deitando mais um olhar ao horizonte antes de continuar - Eu me sentia tão pequena lá... Assim como você, aqui. - explicou, sorrindo quando ele acenou em compreensão - No mundo inteiro há sofrimento. E amores. Saudades, e alegria, e raiva, e dor... - ela pontuava, e havia tanta alma e certeza no que dizia, que Chanyeol poderia se convencer apenas pelo tom que ela usava - Há amores à primeira vista na França, como há aqui. - seu sorriso era entusiasmado, crescendo com a percepção de que o que dizia fazia sim, sentido - E corações partidos. E também dores que nem sequer tem nome. Isso há em todo lugar, Chanyeol. É o que nos quebra em pedacinhos. - ela sorriu, e havia ali um quê de melancolia com que ele se identificava profundamente - E também o que nos faz vivos. 

TU ME MANQUES - Park ChanyeolWhere stories live. Discover now