Capítulo 1

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Callie.

Desculpe Jane Austen, mas a única verdade universalmente reconhecida aqui é que todo mundo está atrás de apenas uma coisa: liberdade.

Não importa a idade, estar preso sempre vai ser um saco. Se sentir impotente, inútil ou subjugado, é o inferno primordial de qualquer alma que deseja apenas isso: liberdade.

E eu finalmente consegui a minha.

Apertei as chaves contra o peito, ainda desacreditada que estava parada de frente para o meu apartamento.

Meu apartamento. Que palavras mais doces. Derretiam na língua e me faziam tremer até a ponta do pé.

Bom, não exatamente meu, já que é alugado. E menos ainda, porque terei um colega de quarto. Mas o que vale é o significado, é a linha de chegada que eu ultrapassei.

Eu trabalhei cinco anos feito uma condenada só para conseguir sair do meu país, diretamente para a terra onde os sonhos se tornam realidade. Adeus Brasil, olá Estados Unidos da América!

Eu podia dizer que era como um conto de fadas, tipo o da Cinderela, mas não teve nenhuma fada madrinha me dando as coisas na mão, então eu me recuso a dar biscoito pra Disney.

Não, não. Isso é real. Eu consegui isso.

Cinco anos atrás eu fiz um intercâmbio para Los Angeles. E cinco anos depois, aqui estou eu, de volta. Eu me apaixonei por tudo o que tive aqui: amigos, oportunidades, emoções. Uma vida corrida e sem nenhuma ordem. Não existia prólogo, nem regras e nem rotina. Era louco, insano e cheio de desespero. Mas eu amei de paixão me sentir parte do movimento dessa cidade, sentir que eu tinha um espaço bem aqui. O cheiro do ar, os grandes prédios, as praias, as pessoas... eu passei cinco anos sem conseguir respirar tranquilamente, porque havia deixado o meu coração neste lado do mundo. Então voltei para busca-lo.

Toquei com adoração a porta verde musgo, cuja tinta já descascava e os números estavam prestes a cair. Ela era linda. Parecia um portal para outra vida, mas desde que saí do aeroporto tudo parecia meio mágico pra mim. A vida precisava ser vista dessa forma para ter sentido.

Girei a chave e abri a porta devagar, esperando luzes brilhantes e uma orquestra sinfônica acompanhando o meu momento. Porque aquela sim, era uma grande virada de jogo. Meu momento de glória.

Mas as únicas luzes que eu vi foram dezenas de velas espalhadas pela sala. E o som - credo, aquele som - soava como mil gatos assustados.

No meio da sala, um cara vestindo saia, segurava uma caixa de som acima da sua cabeça. E a música que saia de lá era um toque de tambor sinistro.

- Bem-vinda, Calisto!

Ele falou pausadamente, em inglês, como se eu não fosse entender sua língua.

Era ridículo. Era assustador. O cara esquisito no meio da sala cansou de segurar a caixa nos braços e o baixou sem nenhuma delicadeza, deixando cair no chão em um baque surdo. O som soltou um ruído mas a música continuou tocando. Era algo folclórico, com tambor e flauta doce, uma mistura que me lembrava algo como os índios. Mas eu não tinha certeza. No momento não tinha certeza de nada.

Ele desligou a música apertando o botão com a pontinha do pé e se voltou novamente para mim.

Que droga era aquela? E porque diabos estava atrapalhando meu momento de glória?

- Eu... ahn... devo estar no apartamento errado. - Me desculpei. Eu devia estar era na vida errada.

Meu Deus, como isso foi constrangedor.

Amor RussoOnde histórias criam vida. Descubra agora