Capítulo 2: Um dia comum... Um dia Trivial.

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Como se vivia antes do pesadelo?


Mariane caminhava tranquilamente até a redação. O tempo estava ótimo para uma atividade externa. Falta um pouco mais de 15 minutos para acabar o seu intervalo para o almoço e o jornal estava logo ali na frente, por isso, não precisava ter pressa e podia aproveitar o clima ameno com brisa refrescante e sol brilhante, porém de calor suave.

As nuvens pareciam dançar em formas divertidas, os cheiros pareciam muito mais fortes e marcantes, os sons ás vezes eram estridentes, mas em muitos momentos, eram tão familiares... E o mundo se desenrolava de forma interessante diante de seus olhos.

Desde que começara seus treinos com Maysa, dificilmente tinha tempo para sair e relaxar. No entanto, mesmo quando um raro momento de folga acontecia, preferia passar esses inusitados períodos ao lado de Andrey, sua família e amigos.

E justamente por isso, não reparava mais nas pessoas e, portanto se atentava a elas naquela caminhada. Também, há tempos, não observava mais as pequenas coisas e criaturas, como a joaninha que passara voando perto de seu cabelo ou na interação dos pássaros nas copas das árvores.

Uma flor pairou a sua frente, numa dança suave até o chão... Já era primavera? Poxa! Logo seria Halloween, Natal e mais uma vez o ano iria terminar, dando passagem a um novo recomeço.

Quando foi que os anos decidiram correr daquele jeito acelerado?

Quando que ela não conseguia mais arranjar um espaço em sua agenda para viver?

- E aí, Mari?

- Oi, Caíque! Voltando do almoço também? – cumprimentou o colega, o qual vinha da direção oposta e chegava ao mesmo tempo que ela à redação.

- Praticamente. – sorriu e a saudou com um beijo amistoso no rosto. – Nem consegui almoçar, tive que correr no banco e sai só agora. – cansado, passou as mãos pelos cabelos castanhos e encaracolados, bagunçando-os um pouco.

- Caramba! – sentiu-se compadecida. – Quer que eu fale com a Luiza por você?

- Agradeço, mas não precisa. Não quero que se queime com ela por mim.

- Me queimar por quê? – sorriu. – Nunca tive medo de falar com chefe.

- Não sei como eram as coisas no jornal que você trabalhava, mas aqui a cobrança é um pouco mais pesada para cima dos repórteres de rua. – suspirou. – Aposto que a Luiza vai achar que estamos fazendo corpo mole e vai jogar mais algum plantão nas nossas costas ou pior, uma matéria idiota.

- Não sou mais foca¹ para ficar cobrindo buraco de rua². – gesticulou para os dois entrarem. – E eu tenho ótimos argumentos para dar caso ela queira nos rebaixar assim, sem motivo algum.

Mariane abriu a porta e ficou parada, esperando pelo colega, o qual permaneceu parado por alguns segundos, estranhamente a analisando. Caíque entortou um pouco a cabeça para o lado e voltou a sorrir, porém de uma forma bem mais singela do que a anterior.

- Ah é... – seus olhos verdes ganharam um brilho diferente quando, aparentemente, lembrou-se de algo.

- "Ah é" o que? – questionou, sentindo-se um pouco irritada por fazê-la ficar ali parada segurando a porta aberta.

- É difícil lembrar, mas de fato você é ela... – murmurou antes de acompanha-la para dentro do prédio.

- Ela quem, homem? – a garota podia ser uma pessoa muito paciente para varias coisas na vida, porém, fazia tempo que descobrira ter uma irritação absurda por pessoas que enrolavam muito para informar algo.

- Você é a famosa Mariane! A que deu o furo de reportagem³ sobre os dragões há cinco anos. – comentou por fim, sem deixar de sorrir e observá-la atentamente.

- Hum... – resmungou. – Todo esse drama só para dizer que se lembrou disso? – revirou os olhos. – Não sou celebridade e nem tenho tratamento especial. Eu ter dado este furo foi nada demais, fiz o que muitos jornalistas fazem por aí quando têm informação privilegiada, como era o meu caso na época, é claro.

- Nada demais? – arregalou os olhos. – Você praticamente revelou um universo inteiro de probabilidades e estudos a cerca de outras raças. Expos uma guerra secreta que poderia ter acabado com os humanos. Revelou corruptos dentro das forças militares. E, não menos importante, respondeu uma das maiores perguntas que a humanidade já fez! – encarou-a e percebeu que ela o olhava com desinteresse. – Mari! É sério, você mostrou que não estamos sozinhos no universo!

- Qualquer pessoa poderia ter divulgado tudo isso. Acontece que eu estava diretamente envolvida. – suspirou. – Fui tragada para um mundo que nunca imaginei ser real. Apenas cumpri com o meu papel de informar.

- E é justamente por isso que você deveria ter ao menos um tratamento especial! – passou à frente e abriu a porta que dava para dentro da redação principal.

- Como assim? – agora era a sua vez de parar e observar o colega.

- Teve a sua vida totalmente virada de cabeça para baixo sem nem procurar ou desejar por isso. E mesmo assim, continuou com o seu dever, arranjando um tempo de comunicar a nós todos. – estendeu uma das mãos, convidando-a para entrar com ele. – Não sei se eu ou qualquer outra pessoa teria cabeça para isso.

- Foi tudo uma questão de estratégia. – aceitou o convite e saiu do lugar. – Não sou heroína e nem nada do tipo.

- Não me venha com essa de "eu sou uma simples reles humana"! – deixou-a na própria mesa e a encarou mais uma vez. – Você serviu de exemplo para muitos, mesmo que não perceba isso. – sorriu. – Bom... Acho que depois de todo esse meu discurso, preciso criar vergonha na cara, ir eu mesmo falar com a Luiza e pedir mais uns 15 minutinhos para poder comer algo. – deu-lhe mais um beijo carinhoso. – A gente se esbarra. – e deixou-a sozinha.

- Reles humana... – sussurrou enquanto se sentava. – De qualquer forma, eu não sei se poderia dizer isso sobre mim. – encarou a tela de descanso do computador. – Nem sei mais o que sou...


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1. Foca: É o apelido usado para indicar que um jornalista é recém-formado. Portanto, são chamados de "focas" os profissionais que estão no início de carreira e ainda são inexperientes.

2. É uma tradição dentro do jornalismo mandar os "focas" para cobrir matérias pequenas para que possam treinar, sendo que as mais comuns e designadas para treinarem suas primeiras experiências de apuração são as da seção policial, descrever buracos de rua, demandas municipais pequenas ou, ainda, acidentes de trânsito.

3. Dentro do Jornalismo, furo de reportagem é o jargão usado para a informação publicada em um veículo antes de todos os demais. Ou seja, o furo é dado quando um repórter, um editor ou uma equipe consegue apurar uma notícia, um fato ou um dado qualquer e publica a informação antes que os veículos concorrentes tenham acesso.

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