Aos poucos a minha convicção ia se apagando, dando lugar a certeza de que eu possuía mais características em comum com o meu Bijuu do que gostaria de admitir.
Há um demônio dentro de mim, e eu já não tinha mais tanta certeza de que seria capaz de me esquivar de suas palavras persuasivas como dantes.
A cada nova incursão, a minha consciência sofria mais ataques. Eles eram constantes, da aurora ao crepúsculo. A raposa sorria cada vez mais satisfeita, os dentes cada vez mais proeminentes como se pudesse ser capaz de vencer as correntes e me estraçalhar. Eu sinto que ela anseia por isso; rasgar a minha carne com aquelas presas assustadoras. Não podia permitir que aquele monstro percebesse o receio que tenho dele, mas a cada dia fica mais difícil mascarar a verdade, esconder meus reais sentimentos. Os sentimentos em meu coração e mente estão conflituosos e desorganizados.
—Vamos, Mito. Tudo o que você quiser será seu. Tudo o que desejar, sem restrições. — me provocava com os olhos brilhando — Porque se apegar a tão pouco, quando se pode ter tudo? Porque continuar a negar que tem poder para fazer o que quer?
As nossas discussões estavam ficando cada vez mais frequentes. Eu sabia que havia sido erro meu dar-lhe essa possibilidade de me atingir ao trocar com ele as primeiras palavras. No entanto não havia sido capaz de me manter em silêncio diante de tamanha perversidade e egoísmo. Não queria, nem admitia ser comparada a uma criatura tão mesquinha quanto Kyuubi, mesmo que ela estivesse me convencendo disso aos poucos.
— Não há vergonha em desejar realizar seus caprichos, Mito. O que você chama de egoísmo eu chamo de mérito. Se desejamos e temos poder suficiente, porque não tomar a força? O que importa o que os demais querem?
—Você é tão desprezível. — cuspi o nojo que sentia de suas palavras — Como pode ser tão egocêntrico? Essa sua filosofia me embrulha o estômago.
— O que te incomoda é minha forma de ver o mundo ou se dar conta que no fundo eu tenho razão?
—Cala-te! Não percebe que tenho asco de prosear contigo?— perguntei irada, desejando que ela enfim se calasse por alguns minutos que fosse. Todavia ela nunca parava.
—Estou apenas lhe oferecendo uma forma diferente de encarar as coisas. Não me culpe se está chateada por perceber que o que eu falo faz sentido.
— Não me interesso pela tua visão deturpada do mundo. Quero apenas paz.
—Isso nunca terá. — Lá estava o maldito sorriso de troça que eu tanto odiava. — Não enquanto continuar a me manter cativo. Eu permanecerei a lhe assombrar e terá que conviver com isso pelo resto dos seus dias, ou pelo tempo que me manter aprisionado.
— Se for necessário para manter o mundo livre de sua presença demoníaca estou disposta a sacrificar a minha sanidade por isso.
Ela gargalhou novamente. Por Kami Sama, como eu odiava aquela gargalhada zombeteira.
—A sábia, destemida e altruísta Uzumaki Mito. Mais uma vez está provando a minha teoria.— não entendi o que ele quis dizer com isso e acabei deixando transparecer minha confusão, ao que Kyuubi prontamente completou com sua voz zombeteira — Manter a todos seguros, apenas mais um capricho. Perceber os olhares de felicidade e agradecimentos. O seu nome sendo exaltado como heroína. Como é egoísta, Mito. — balançava a cabeça em um movimento de falsa reprovação.
Aquilo realmente me abalava. Eu não queria ser igual a ele. Será que eu estava me tornando aquilo que sempre odiei?
Há um demônio dentro de mim e a cada nova investida eu sinto a minha mente rechaçar e se fragmentar mais e mais.
Sinto um abismo se abrindo aos meus pés, me engolindo enquanto as palavras de Kyuubi tragam minha sanidade uma parcela de cada vez.
—Mantenha-se longe da minha mente e da minha alma. — Passei a recitar mentalmente como um mantra, uma resposta a toda aquela escuridão que tentava ganhar espaço e me envolver.
Não queria admitir, mas a raposa estava certa, no fundo eu estou sendo apenas egoísta.
A cada dia as provocações se repetiam, cada vez mais elaboradas e certeiras, porém a medida que eu me acostumava com aquela personalidade intrusa — que almejava manchar a minha consciência — eu me sentia a mercê daqueles pensamentos vis.
Ao meu redor a vila crescia. Konohagakure no Sato, o sonho do meu amado esposo ganhava formato, tornando-se real. Isso me mantinha feliz e o sentimento caloroso e agradável de estar fazendo o certo era capaz de abafar a rouca e perturbadora voz de meu inconformado, porém zombeteiro hóspede.
— Primeira-dama? Esse título lhe basta, Mito?— provocou-me quando Hashirama recebeu o título de Hokage. Eu estava exultante, compartilhando da alegria de vê-lo realizar seu sonho e ser uma das colaboradoras para que esse desejo se tornasse realidade. A essa altura eu apenas respondia a raposa com meu mantra.
—Mantenha-se longe da minha mente e alma. – era tudo o que ela precisava saber. Que devia se afastar de mim e parar de tentar bombardear a minha sanidade.
No entanto, não era o suficiente para que ela se calasse. Nunca era.
—Tudo o que você está vendo, Mito, pode ser seu, basta tomar! Podemos ser poderosos. — fechou um dos punhos com força, enfatizando a fala.
Ao que eu recitava em aviso: “Mantenha-se longe da minha mente e alma”
— Tudo o que o seu coração desejar, Mito, pode ser seu! Pode ser a própria primeira hokage ao invés de primeira dama. Não seria mais divertido? Basta usar corretamente o poder que tem. — o olhar obstinado dele demonstrava o quão excitado ficava com a ideia de poder controlar os demais. Ele era uma raposa afinal, astuto e perigoso. Dominar e subjugar mente e corpo eram-lhe habilidades natas, e sua perspicácia concedia a ele a um controle descomunal sobre mentes fracas.
Mas eu não era fraca e não cairia em seus joguinhos. Como Kunoichi eu, Uzumaki Mito, não me deixaria seduzir por suas falsas promessas. Se fosse para tombar seria lutando, não me rendendo como uma covarde.
“Mantenha-se longe da minha mente e alma”
O semblante da raposa alterava-se com minha aparente indiferença e apatia.
—Não me ignore, Mito! Pode tentar se enganar acreditando que não, mas sabe que tenho razão! — ele se enfureceu, rosnando baixo, exalando ar quente que ascendiam em ondas de vapor visíveis — Você pode conquistar, obter o que quiser, basta dizer sim para mim. Usar o meu poder para o que realmente importa!
Eu sabia que aquela conversa era apenas um engodo. Kyuubi nunca se uniria a mim, e se o fizesse seria por motivos escusos e individualistas.
Há um demônio dentro de mim, e ele está furioso comigo.
— Tudo isso poderia ser NOSSO!— vociferou com os olhos injetado de ódio. Ele havia se alterado enfim, o que era um bom sinal pois assim seria eu a ter o controle daquela discussão — Mas você não quer! Você insiste em me repetir sempre a mesma resposta e eu estou farto disso!
— Mantenha-se longe da minha mente e alma.— tornei a repetir olhando-a diretamente nos olhos, dessa vez sem medo. Eu não iria demonstrar fraqueza perante os jogos mentais de Kyuubi nunca mais — Eu não consigo tirar você da minha vida ou calá-lo. Portanto mantenha-se longe de mim.
—ENTÃO ME LIBERTE! — ordenou com um estrépito rosnado Irado — Eu não sou seu brinquedo! Não existo para cumprir seus caprichos.
Não mais lhe respondi. Sabia que Kyuubi estava certo em alguns aspectos, mas jamais admitiria tais verdades. Aquele era um jogo para dois, e eu não estava disposta a abrir mão da minha sanidade assim como havia feito com a minha liberdade ao me tornar sua Jinchuuriki.
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The Devil Within
Fiksi PenggemarHá um demônio dentro de mim consumindo a minha sanidade aos poucos, tencionando me arrastar ao limiar de minha consciência para abandonar-me em meio a escuridão, usando como principal arma sua afiada língua e diálogos persuasivos. Apavorada, sinto...