Trois.

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Voltei pra casa e não trocamos mais nenhuma mensagem. Ananda já está em casa e eu evito mexer muito no celular quando estamos nesses momentos mais íntimos, pois está cada vez mais raro. Alguma coisa dentro de mim tenta desesperadamente resgatar alguma coisa nisso tudo, mesmo que meu cérebro saiba que o fim chegou há tempos. Tiro a roupa e coloco o Netflix para rolar, sem me importar muito com a presença dela no quarto. Ela olha compenetrada para o celular, mas procura minha perna com a mão, numa carícia gostosa e um tanto inesperada. Ela ri de alguma coisa e eu fico um pouco feliz de vê-la assim, descontraída. Eu acho que faz pelo menos 1 ano que não a vejo assim, despreocupada. É até gratificante. Assisto a " Vis a Vis" com certo nível de compenetração, mas retribuo o toque de Ananda da forma mais gentil que posso. Sei que ela quer transar, mas eu realmente não quero esse contato no momento, não me sinto bem. Também sei que ela vai reclamar, mas eu realmente não quero. A convivência está cada vez mais difícil. Sinceramente, não me sinto nem a vontade em sua presença. Me viro de costas para sua carícia, e ela prontamente me abraça por trás, fazendo uma espécie de conchinha. Tento não me mexer para que ela durma e parece que minha estratégia funciona.
Assim que ela dorme, pego meu celular para verificar as notificações. Consigo identificar o nome "Dani" no meio de centenas de mensagens que eu recebi nesse intervalo de tempo. Abro diretamente a dela.

"Que bom que não tem ninguém, mas acho difícil permanecer assim por muito tempo".

Olho para Ananda ao meu lado e, sem um pingo de remorso, respondo:

" Melhor sozinha do que mal acompanhada, não é? 😉"

O relógio marca 00:00h, tenho certeza de que não obterei mais resposta, ela mandou essa mensagem há 2 horas atrás. Tento encontrar uma posição mais confortável para dormir, sem o corpo de Ananda me prensar a cama. Sinto um pouco de angústia em vê-la assim, vulnerável, enquanto eu me sinto cada vez mais viva fora desse relacionamento. Não deveria ser assim, eu sei, mas não consigo evitar: preciso de alguma coisa que me faça não desistir da vida. Preciso recuperar minha estima, ter menos vergonha de mim e da minha vida, preciso me sentir capaz, bonita... e ela sempre faz questão de afastar de mim todos esses pensamentos.
Rolo na cama até as 3:00 am dessa quarta-feira, quando sinto o sono bater violentamente. Preciso dormir.

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Acordo e Ananda já não está mais em casa. As quartas-feiras sempre estou no escritório, então não me demoro a sair. Afago meu cachorrinho e dou de comer e de beber a ele. Nos últimos anos ele tem sido meu único companheiro, fiel e carinhoso. Saio do meu devaneio e procuro as chaves da moto, hoje quero emoção. Faltam apenas dois dias para Ananda ir para São Paulo e assinar minha carta de alforria, ainda que por pouco tempo.
Chego ao escritório antes mesmo de Ananda, por causa do trânsito. Existem benefícios em se ter uma moto, além de tudo.
Checo o celular e vejo que recebi um bom dia da ruiva, o que me faz sorrir de canto e ficar um pouco mais bem humorada. Admito, as manhãs não são meu ponto forte. Respondo o bom dia e guardo o celular no bolso, afim de evitar os olhares curiosos de uma das minhas funcionárias. Ananda chega logo atrás segurando dois copos de café:
-Toma, trouxe pra você. - ela ergue o copo em minha direção.
- Hmmm, muito obrigada. - digo um tanto surpresa. Capuccino, meu favorito. Essa mulher ainda sabe me agradar um pouquinho que seja. Devoro o café como quem come um prato Masterchef e começo minha saga de processos previdenciários. Vez ou outra espio o celular procurando uma nova mensagem que me faça sorrir, mas ela não vem.
O relógio mostra meio dia e, assim que passo o olho no celular, o nome "Dani" pula nas minhas notificações. Agarro o celular como se minha vida dependesse daquilo e abro sua mensagem:

"Estou almoçando. Não podia deixar de vir aqui dizer que estou bastante curiosa para conhecê-la." - em anexo, uma foto com os cabelos ruivos e um prato que quase não tinha comida. Penso sozinha que, se aquela mulher quer sair comigo, vai precisar me alimentar muito melhor do que isso. Gargalho do meu próprio pensamento levando as mãos a boca. Eu realmente estou cogitando sair com ela?

Dani -  a real date.Onde histórias criam vida. Descubra agora