Capítulo 1 - O Retorno

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Era 23 de Dezembro, já muito próximo do Natal. Casais andavam em um ritmo lento, quase flutuando, pelas calçadas largas do centro da cidade que abrigava milhares de lojas, todas parecendo prontas para atender altas demandas e exigências de clientes bem diversos. Não importa se a economia ia bem ou mal, datas comerciais sempre conseguiam arrancar até as últimas economias dos trabalhadores com "ofertas imperdíveis".

Entre joalherias, confeitarias e lojas de roupa que já pareciam formar filas fora de suas portas, havia uma livraria um pouco espremida entre os demais estabelecimentos. A estreita parede externa ao redor da enorme porta de vidro, já tinha sua pintura verde bem desgasta, era possível ver o dano que a chuva havia causado ao longo dos anos e isso tornava impossível dizer há quanto tempo o estabelecimento estava ali. Por dentro, porém, tudo parecia bem moderno; as estantes, meticulosamente separadas entre gêneros e subgêneros, eram feitas de uma madeira escura, cada uma possuindo uma lâmpada adjacente que destacava as obras em exposição. Os livros que eram "destaque de venda" naquele mês estavam empilhados em uma mesa arredondada logo na entrada, formando uma adorável "árvore de natal" adornada por uma pequena corrente de luzes ao redor. Havia uma música ambiente, talvez uma espécie de jazz, que estava sempre tocando para dar mais conforto aos clientes, ou ao menos essa era a explicação do dono do local.

O movimento não costumava ser bom, mas era mais do que suficiente para impedir que o balconista conseguisse terminar uma única partida de seu joguinho de celular.

O sinal escandaloso da porta tocou para receber dois clientes que falavam relativamente alto enquanto se dirigiam para a seção de "HQs e Mangás"

- Lá vamos nós, mais uma vez...

O balconista murmurou baixo com a testa colada no balcão de madeira onde passava a maior parte de seu dia. Suspirou, bufou e repetiu para si mesmo, ainda tinha pelo menos quatro horas até o fim de seu expediente. Correu os dedos pelas mechas escuras e onduladas que caíam sobre seu rosto, deu um tapinha em cada bochecha, obrigando-se a acordar, e levantou-se, batendo algumas vezes no avental azul marinho que cobria suas roupas, como uma espécie de uniforme, adornado com diversos bottons promocionais e um crachá com uma foto antiga do funcionário que já estava lá há pelo menos dois anos.

- Boa tarde, meu nome é Changgu, em que posso ajudá-los?

A voz de Yeo Changgu era suave e um sorriso dócil acompanhava cada uma de suas palavras, talvez estivesse um pouco sonolento, mas isso definitivamente acrescentava uma espécie de charme em seu jeito de conversar com os clientes, ou era nisso que gostaria de acreditar já que todos que passavam ali pareciam querer falar com o rapaz por mais tempo do que o necessário.

- Yeo Changgu? - Um dos rapazes nem hesitou em perguntar, apenas encarou o atendente de cima à baixo, atônito.

- Ah, sim, isso mesmo, eu- Piscou algumas vezes, observando os dois rapazes à sua frente, mas especialmente o mais alto que parecia tão chocado quanto ele. - Yanan...?

- E eu sou... O Yuto. - O terceiro elemento se pronunciou, sem entender muito bem o que estava acontecendo naquele ambiente, mas pareceu um bom momento para dizer quem era. Porém, antes mesmo de terminar sua frase, os dois rapazes se abraçaram bem na sua frente e Yuto se sentiu na obrigação de dar alguns passos para trás.

- Uau, faz pelo menos... Cinco anos? Você ficou todo esse tempo na China? E... E esse cabelo? Essas roupas? Você tá incrível!

A empolgação repentina na voz de Changgu era muito nítida, se aquele reencontro tivesse ocorrido em outro lugar, talvez não fosse nem mesmo capaz de segurar suas lágrimas, mas não podia negar que sentiu seus olhos arderem enquanto tentava distinguir se aquele rapaz alto com um cabelo extremamente rosa era mesmo seu melhor amigo.

Yanan e Changgu estudaram juntos durante todo o ensino fundamental, então podiam dizer que possuíam uma amizade muito forte como qualquer outra amizade de infância, porém provavelmente o que mais havia fortalecido a ligação entre os dois foi, também, o último ano que passaram juntos já que foram obrigados a se separar.

Yuto, o rapaz moreno, alto, de corpo invejável e feições muito fechadas, poderia perfeitamente ser confundido com um modelo ou ator famoso, porém suas feições se derretiam em um tímido sorriso enquanto lia um mangá em uma das mesas disponíveis na livraria. Yanan ficou debruçado no balcão, conversando com Changgu, até a hora que o estabelecimento pudesse ser fechado. Então os três rapazes foram até um restaurante mais familiar na vizinhança que servia uma variação muito baixa de pratos com legumes e frangos, a única variante era se a comida era frita, cozida ou assada. Para os dois amigos de longa data, não havia lugar melhor para comer frango frito. Yuto apenas acompanhou o ritmo dos dois rapazes porque não tinha o menor conhecimento sobre aquele novo país, nem mesmo de sua cultura, muito embora fosse de um lugar bem próximo dali, já tinha se surpreendido com diversos aspectos coreanos como a frequência de sabores apimentados em quase todos os pratos que havia provado até aquele momento.

- Como você está? Por que voltou pra cá?

- A minha agência na China fez uma parceria com uma daqui e escolheu alguns modelos para ficarem na Coreia, como eu já tinha histórico e praticidade com a língua, fui um dos escolhidos... E foi muito bom, eu estava louco pra voltar.

Yanan ouviu uma risada sonora vinda do melhor amigo enquanto bebia mais um gole de soju e o olhou com certa curiosidade, buscando entender a graça em suas palavras.

- Louco pra voltar pra cá? Com tantos lugares pra ir? Você não muda, né? - Continuou rindo ao afastar o prato de sua frente para depositar seus cotovelos na mesa e ter um apoio para o rosto, acabou bocejando antes de voltar sua atenção para o japonês visivelmente tímido ao seu lado. - E você? É Yuto, né? O que veio fazer por aqui?

Yuto demorou um pouco até entender que Changgu estava falando consigo, estava meio tonto pela pouca bebida que havia ingerido, seu corpo todo parecia formigar levemente e cada gole lhe deixava com um pouco mais de calor, não estava acostumado com aquele tipo de reunião.

- Sim, Yuto... Vim do Japão pra estudar um pouco mais sobre a cultura coreana e acabei conhecendo o Yanan em um aplicativo pra pessoas estrangeiras na Coreia.

Os três rapazes passaram mais algum tempo conversando. Yuto se sentiu mais à vontade para continuar a conversa ao descobrir que Changgu, na verdade, tinha certo apreço pelo Japão por ser um estudante de arte que buscava se especializar em arte oriental até alguns meses atrás e isso facilitou para que o rapaz se sentisse mais confortável. Yanan suspirava a cada palavra trocada entre os dois porque era a primeira vez em muito tempo que se sentia bem na presença de um grupo de pessoas, o tempo que passou na China trabalhando não havia sido fácil e tinha sentido saudade de estar entre amigos, especialmente com dois que confiava tanto.

- Sabe Changgu, o Yuto me contou sobre as festas que ele ia no Japão, os bares e coisas assim... Eu quase dormi, parece ser tudo tão chato, não vi diferença entre estar no meu quarto e entre estar num bar japonês com ele. - Yanan riu por ter sido empurrado pelo japonês, mas apenas devolveu a "agressão" com um tapinha na mão do rapaz. - Eu tava pensando, podíamos sair nós três na véspera de Natal, aproveitar a noite dos solteiros que não tem ninguém pra ficar junto nesse dia... O que acha? Ou vai me dizer que arrumou alguém nesses poucos anos que te abandonei?

Changgu riu, um riso claramente nervoso enquanto balançava a cabeça de um lado a outro:

- É claro que não, Yanan! Você sabe que eu não levo jeito pra esse negócio de amor... Mas tá, eu topo, vamos sair amanhã sim.

O Natal estava longe de ser uma das festividades favoritas de Changgu, muito pelo contrário, era um dia em que preferia não estar próximo de amigos ou parentes, porém sentia que não seria capaz de recusar o pedido de Yanan, não sabia quando seria a última vez que o veria e a presença do melhor amigo lhe trazia um conforto imenso, uma paz no meio de toda a tempestade que vinha acontecendo dentro de sua cabeça. 

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