Na manhã em que acordei para a mudança, eu não sabia dizer exatamente como estava me sentindo. Talvez aflito e animado. Era mais como um baque vindo de todos os lados, eu havia morado na mesma casa por mais de uma década antes de vir para essa. Não estava acostumado a me mudar tantas vezes em um curto período de tempo.
Então fiz tudo no modo automático. Carreguei as caixas, arrumei a mobilha e me senti realizado, eu acho. Não consigo me lembrar realmente como aconteceu. Aquele ano foi nebuloso, parece que minha vida inteira estava acontecendo naqueles trezentos e sessenta e cinco dias.
Minha vida virou de ponta cabeça, e então, começou a dar voltas, girando cada vez mais rápido, até que eu não pudesse mais acompanhar.
Tem um dia especifico que eu não consigo esquecer detalhe nenhum. O primeiro dia de aula.
Não foi como nos romances. Eu não me perdi e precisei da ajuda de alguém, e ele não veio me ajudar. Eu não deixei meus livros cair, ou tropecei nos meus próprios pés. Eu só esperei o sinal bater e subi para a minha sala.
Enquanto andava pelos corredores, reparei que a escola era mal-cuidada e cheia de plantas. Parecia uma prisão, mas ainda sim, foi o lugar onde eu mais me senti livre.
Não no começo. O começo foi atordoante para mim. Eu sempre precisei conversar com alguém, ou me manter ocupado. Mas não tinha o que fazer. Eu não conhecia ninguém e ninguém me conhecia. Não tinha nenhuma lição no quadro, ou sequer um professor na sala. Tudo o que tinha era um garoto tímido, beirando os seus quatorze anos sentado no fundo da sala. Apreensivo e deslocado.
Esse sim foi o momento que as minhas mãos suaram, então tratei logo de escondê-la no bolso do meu moletom. Ouvi as conversas em volta de mim e não conseguia me concentrar em nenhuma, como quando você está morrendo de sono e tem alguém falando com você. Incomoda, você consegue escutar alguma coisa, mas não ouvir.
O professor entrou na sala, e por um momento me deixai suspirar de alivio. Achei que as conversas se encerrariam e a sala ficaria silenciosa, como era na minha escola. E por um momento isso realmente aconteceu, mas então o professor pediu que descêssemos para o palco. Faríamos a primeira aula ao "ar livre", uma dinâmica. Lembro de pensar em ficar na sala, mas o professor esperou todos saírem e eu fui o último.
Eu via as pessoas subindo no palco, sentando-se ao lado de quem já puxou algum papo, ou de quem já conhecia do ano passado. Mais uma vez me senti deslocado sentado em meio aos meninos. Era odiosa a conversa deles.
- Tudo bem pessoal, vamos começar. – disse enquanto batia palmas para aquietar todo mundo. – Vamos fazer um jogo. Da direita para a esquerda, digam o seu nome e alguma coisa que gostam de fazer.
Ele começou. Apresentou-se como Enzo. Era um homem bonito e jovem. Com uma barba rala e óculos quadrados, que se encaixavam bem ao seu rosto. Gostava de estudar os átomos e sair com a namorada dele.
Os demais foram se apresentando. Um por um, foram falando seus gostos. Os mais variados existentes. Iam de pintar e cantar a jogar bola e ir a festas.
Quando chegou à minha vez, minha mente travou. Pensei fingir que era mudo e me arriscar nas libras, mas não conseguia me lembrar do alfabeto. Não seria uma boa idéia.
- Meu nome é Cadu e... – fiz uma pausa longa. Não sabia o que falar. Não tinha uma coisa bonita pra falar, então vomitei um – Eu não gosto de fazer nada especifico.
Olhei para o professor, sentindo todos os olhares em mim. Eu sabia que ele não me deixaria sair com uma fala tão fúnebre quanto essa. Ele era o típico cara que achava que ainda era um adolescente, ou que estimulava os alunos, mesmo quando os via agonizar debaixo de sua vista.
- Como assim você não gosta de fazer nada? – ele tinha uma linha de expressão invisível, que só aparecia quando franzia a testa. – O que faz quando está entediado?
- Eu durmo. – nada disse. – Ou eu escrevo.
Me dei por vencido. Realmente não agüentava mais a oscilação de olhas que aconteciam ente mim e ele. Quase como se estivéssemos numa discussão sem fim.
Ele não disse mais nada e passou para o próximo. Hoje, talvez eu tivesse conseguido dizer alguma coisa melhor, ou pelo menos falaria direito. Sem o aperto no meu peito ou a sensação de estar jogando uma roleta russa.
Quando eu ouvi o sinal, todos já estavam de pé. De algum jeito eu me perdi dentro da minha cabeça. Não reparei em mais nada, só em como a ruga do professor me incomodava. O jeito dele me incomodava. Não gostava muito de adolescentes, e sempre achei que um homem agindo como criança era vergonhoso.
Eu não sabia qual seria a próxima aula, ninguém sabia. Só me sentei na cadeira e voltei a ler um romance adolescente abusivo e super saturado. Cheio de fãs hipócritas que morria de amor pelo garanhão da historia, que tinha como seu único objetivo fazer jogos psicológicos com uma garota.
O dia não estava quente, mas a maneira que o sol transpassava por entre as folhas das bananeiras e invadia a minha sala até chegar a mim, fazia minha nuca soar um pouco. Pensei em tirar a minha blusa, mas a minha bolha estava tão confortável que eu fiquei com medo de fazer qualquer movimento.
Eu estava entediado com o livro e irritado. Não conseguia entender a razão da personagem aguentar por tanto tempo as ofensas e chantagens aplicadas sobre ela. Não conseguia entender o porquê das pessoas chamaram aquilo de amor. Era estúpido. O amor que eu havia sentido não era assim.
Não era uma coisa que me obrigava a remodelar e me encaixar. Não era uma coisa que me puxava para todas as direções e depois me largava no meio do nada, e com certeza não era algo que eu aturaria calado.
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Como Realmente Aconteceu
RomanceEu o via e meu cérebro produzia ocitocina o suficiente para facilitar todos os partos naturais do mundo, ou para deixar todos os pais apegados a seus filhos. Era um sentimento "novo" que desempenhou o papel mais importante na minha vida. É claro que...