Capítulo V

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LUNA

Absolutamente incrível. Eu e Normal nos divertíamos tanto na 25 de Março que tive a impressão de ter entrado em um sonho lúcido. Sim, as ruazinhas amarrotadas de gente eram péssimas para andar, sobretudo debaixo de um Sol escaldante. Mas eu não queria sair dali mais. Definitivamente.

Havíamos encontrado tanta variedade de coisas que eu realmente estava considerando que o lugar era o Beco Diagonal. Eu sabia que nada dali duraria por muito tempo, mas eu estava comprando mesmo assim. Eu era rica, então qual era o problema? Normal me fez, inclusive, pagar as compras de uma mulher nas Lojas Americanas. Eu não queria saber se era certo pagar por objetos um tanto quanto estranhos (fita isolante, algumas cordas de pular para crianças, filmes de terror slasher, bicarbonato de sódio e outras bugigangas), mas estava empolgada com a alegria das outras pessoas que presenciaram a cena.

Então soube, naquele momento, o tal "plano" que Normal havia falado anteriormente. Ele estava ali para me fazer ser uma pessoa melhor. Só podia ser isso. Um Anjo enviado à Terra para acompanhar uma bruxa má em diferentes atividades benfeitoras. Era a explicação mais plausível. Ele queria que eu fosse uma princesa, uma rainha, uma boa mulher. E mesmo que eu não precisasse de homem de nenhuma espécie, estava adorando a companhia.

Eu já havia dito o quão fofo e intrigante era o meu Anjo da Guarda? Às vezes ele soltava umas besteiras que não eram dignas de guerreiros de Deus, mas a ousaria apenas me fazia gostar mais dele. Normal contribuía com a minha ideia: ninguém era cem por cento bom. Ele devia ser a personificação do Bem, mas não expelia tanto positivismo quanto a sociedade moralista esperava — ou quanto as religiões que acreditavam em anjos esperavam.

— Sabe, Normal, estou me sentindo tão realizada. Sério — confessei. Eu estava dando uns trocados extras para o moço que vendia churros. Normal me obrigara a comprar dois, e eu tentava não me sujar toda com aquela delícia. Eu tinha de abrir alguma exceção em minha vida, certo? — Eu nunca pensei que andar pela 25 de Março seria tão prazeroso.

— Eu não falei? — ele abocanhou o doce.

— Eu pensei que compraríamos algo da Gucci ou da Prada, sabe? Mas estou bem animada com as fantasias que achamos naquela rua que parece uma parede de tão íngreme e dessas sandalinhas de cor desbotada — olhei para dentro das minhas sacolas. — Ainda quero passar no camelô. Dizem que as pessoas ali vendem as coisas mais absurdas possíveis. Estou ansiosa para encontrar algo!

— Legal! Legal, Luna — Normal me fitou de maneira orgulhosa. Eu podia ver seus olhinhos oscilando de emoção. — Eu sabia que chegaríamos a algum lugar dessa forma. Estou muito feliz.

Eu estava prestes a cometer um dos clichês mais famosos. Enquanto o admirava falar, meus olhos se encaminhavam sem permissão para seus lábios em movimento. Por alguns segundos, senti vontade de avançar e beijá-lo, só para fazê-lo calar a boca. Não que fosse chato ouvi-lo me elogiar e tudo mais, porque eu amava os mimos. Mas eu queria a adrenalina de unir nossas bocas no meio daquela multidão, mesmo que corrêssemos o risco de alguém nos furtar sorrateiramente.

Mas fui atraída para outra cena. Um homem segurava um celular no alto e pedia desesperadamente para darem uma olhada, porque ele estava vendendo o objeto. Normal também parou de falar (bem que eu podia aproveitar a deixa e tascar o beijo ali) ao notar o homem. Nós, curiosos e animados como crianças em um parque de diversão, fomos até o sujeito que berrava até acabar o oxigênio. Sim, para ser ouvido entre tanta gente também gritando, você precisava gritar mais alto.

— O que é? — perguntei.

Outros vendiam películas de celular, chips de diferentes operadoras, cartão de memória... Mas nenhum estava com o celular propriamente dito em mãos. Era claro que eu queria saber o porquê. Na minha cabeça, as pessoas compravam seus iPhones na loja da Apple, não na 25 de Março.

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