Praga

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Londres, 27 de novembro de 1914


Este colar, com detalhes de prata e inscrições do qual não sei o significado, contém outra parte do meu ser. Metade de minha alma. Ele não sorria para a foto, seu rosto continuava igual ao de quando era jovem. O tempo era o mais cruel de todos os deuses, desconhecia a misericórdia, portanto, diante dele não passávamos de insignificantes existências que um dia seriam varridas. Não havia como voltar a atrás e muito menos dar um passo mais à frente, apenas seguir rumo ao desconhecido, se olhar para trás o arrependimento é sem tamanho.

"Entre, senhor Kim." Olhei para o homem bem-vestido a minha frente, ele me recebeu como todo mundo me recebia, condescendente devido à condição de minha perna, sofri um acidente dez anos atrás, havia caído da escada ao pisar em falso no degrau, desde então tenho vivido com constantes dores e olhares num tanto indesejados.

O escritório era peculiar, cheio de artefatos de vários lugares, talvez de viagens, notei uma foto de um homem mais jovem em cima da estante, ele estava ao lado de um navio, lembrava o detetive a minha frente então devia ser ele mais jovem, me sentei em sua frente com minha bengala ainda em mãos. Tirou uns papéis da gaveta, tentou pronunciar o nome 'Kim. Taehyung.' tive de corrigi-lo quanto a sua pronúncia, ele me deu um sorriso de canto mostrando desagrado pela correção.

"Quais eram seus vínculos com 'Kim Taehyung? Desculpa, é protocolo." 

"Ele era meu amigo." Respondi sem animação em minha voz, era uma parte da verdade, mas eu não posso contar ela toda.

"Um amigo bem-querido, eu sinto muito pela sua perda..." Ele desviou o olhar, vi hesitação em sua voz, eu podia aguentar o que estava por vir. "Seu amigo, senhor Kim Taehyung, esteve desaparecido por 3 meses, foi difícil achar o seu corpo, mas finalmente o encontramos e... ele...ele foi achado em Veneza, com sinais de tiro a queima-roupa, foram três no peito." Ele terminou, eu vi que ele sabia algo mais, pois olhava constantemente para o relatório.

"Espere um pouco...quando acharam o corpo de Taehyung?" Ele hesitou mais um pouco e olhou para o relógio, sabia que estava doido para eu ir embora, afinal quem aguenta um homem velho fazendo inúmeras perguntas incômodas.

"Em 20 de agosto..." Taehyung partiu da Boêmia em 12 de agosto..." Vocês sabiam há tempos que ele estava morto e não comunicaram?!!" Meu tom de voz foi mais alto que eu esperava, o detetive suspirou profundamente, eu deveria me controlar melhor, mas o sentimento foi mais forte.

"Ele não tinha família, Sr. Kim, nem sabíamos que o senhor era a única pessoa próxima dele. Não sabemos ainda as circunstâncias de seu assassinato, mas juro que irei te falar assim que possível." Eu sabia que isso também faz parte do protocolo, apenas para que eu não vá mais afundo com essa investigação. No momento uma fagulha de tristeza toma conta de mim, uma nuvem obscura me se enrola dentro de mim, Taehyung, minha alma gêmea, simplesmente havia sumido antes do começo da guerra. 

Naquela manhã ele já estava pronto para partir, seus olhos, grandes com uma neblina em volta, era pesar e tristeza, não foram preciso, palavras para dizer que seria a última vez que íamos nos ver, ele me beijou e disse que me amava, que estaria comigo em todas as vidas que tivéssemos, eu o abracei não querendo soltar, eu queria que aquela manhã não acabasse, infelizmente acabou, pois Taehyung não retornou, nem no dia seguinte e nem após o outro.

"Teve algum motivo para a sua morte?" Indaguei baixinho com a voz rouca, senti um nó, um aperto e secura na garganta. Olhando ao redor do escritório, cada momento era uma tortura, minha cabeça girava em volta de vários pensamentos simultâneos, muitos deles desagradáveis, o homem à minha frente procurava outro relatório, observei no canto de sua bochecha, resquícios de batom, ele devia ter uma esposa, um filho ou uma filha, na verdade, dois pelo seu paletó meio amarrotado, deveriam ter entre sete e oito anos. Sua vida era de um típico homem de classe média do subúrbio, pacata e sem graça.

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