A garoa fina cai sobre a janela do trailer enquanto eu olho para o céu acinzentado. Aquele tempo sempre fora o meu preferido, desde pequena, mas hoje, nesse exato momento só conseguia me transmitir receio com o fato de, depois de tanto tempo, estar voltando para casa.
Após alguns minutos, minha avó entra pelas largas ruas de Portland, ruas que eu costumava conhecer como as linhas da palma da mão, mas que agora, apesar da familiaridade, me pareciam tão diferentes de minhas memórias.
Com o canto do olho observo minha avó, que veste uma blusa com mangas até o cotovelo, calças verde musgo e um tênis branco; seus cabelos bem curtinhos levam um óculos escuro preto como adereço - sem necessidade já que o tempo está fechado- , mas no fundo eu sei que o visual descontraído é reflexo da mudança.
Depois da minha formatura no ensino médio ela decidiu que depois de anos sendo a boa dona de casa, em fim realizaria seu sonho de rodar o pais, daí vendeu o siena, comprou um trailer e pegou as economias que vinha juntando á anos, e cá estamos nós. Não que não esteja feliz por ela, longe disso, mas é que não fazia parte dos meus planos voltar para casa do meu pai, muito menos fazer faculdade esse ano.
Fred e eu nos falávamos uma vez ou outra no mês, não era a relação ideal mas era o que a distância permitia, ou pelo menos é assim que gosto de pensar. Meu pai é um cara bacana, sempre ajuda os outros e cozinha muito bem, mas é bem fechado, não é do tipo que faz muitas perguntas ou que está sempre em cima, e acho que por eu ter puxado essas coisas dele nossa relação é tão difícil.
"Constance!?", me viro num susto para minha vó que me olha preocupada. "Você parece em outro mundo querida, tá tudo bem? "
" Ahh, sim. O que você tinha dito ?", me endireito no banco espreguiçando.
" Perguntei se você está com tudo que precisa ou se quer que eu passe em algum mercado... Conhecendo seu pai ele deve ter deixado tudo pronto á 3 meses quando liguei avisando.". Verdade que meu pai é dotado de um senso de organização notável, e involuntariamente veio na minha mente uma imagem do meu pai correndo de um lado para o outro com os preparativos, oque me faz sorrir.Mais algumas esquinas e avisto nosso destino, a casa no final da rua. De longe está exatamente como me lembro, mas conforme nos aproximamos percebo singelas mudanças. A casa foi pintada a uns 2 tons de branco mais escuro, as janelas foram substituídas por um modelo mais recente e o jardim está bem mais alegre do que quando fui em bora, na verdade olhando com cuidado, está completamente diferente - verde, florido apesar da época e decorado com algumas peças rústicas, o que é estranho já que jardinagem não é um talento do meu pai-.
Assim que minha avó estaciona, meus olhos passeiam pela varanda, e param sobre duas cadeiras de descanso trançadas, lado a lado, cada qual com uma almofada- o que me faz estremecer com a ideia do meu pai estar morando com alguém, não que seja ruim, mas seria estranho -. Balanço a cabeça afastando aquele pensamento, não é coisa para agora.
Minha avó sai para pegar minhas malas resmungando algo sobre a viagem ter passado depressa e eu aproveito para dar uma olhada pelo retrovisor na minha situação. Meus cabelos castanhos, quase pretos, estão despenteados em um rabo de cavalo mal feito, e meus olhos azuis inchados de sono, -acordei atrasada nessa manhã e mal tive tempo de lavar o rosto.- Estou com uma calça jeans e uma blusa simples num tom nude, maravilha, estou um trapo.
Pego meu all-star do piso e os calço - odeio usar sapatos em viagens longas - , visto uma camiseta xadrez de qualquer jeito e desço do trailer, sendo levada por um vento fresco de pós-chuva. Na mesma hora avistei meu pai saindo de casa, está com o uniforme do Departamento de Polícia e leva o distintivo na cintura, os cabelos de mesma cor dos meus estão, porém esbranquiçados, não estão cortados e a barba esta por fazer, assim como me lembro, exatamente a memória que guardo dele.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Red Thread
RomanceDepois do divórcio dos meus pais, havia uma história a qual minha mãe sempre repetia, uma mito popular japonês que um namoradinho da faculdade contou a ela. A história tratava-se de um fio vermelho, o qual todas as pessoas, desde o nascimento, levam...