Não sou digno de nenhuma palavra e jamais serei salvo.
Pai, porque me abandonaste?
Sou o pródigo e tua casa retorno.
Pai, depois da punição, do corpo expurgado, a carne está salva?
Pai perdoa-os, salve meus irmãos, eu já não tenho solução.
Desculpa por te entregar tão pouco, por enquanto é o que consigo. Tenho medo de me entregar todo, tenho medo de mim. Sinto em mim um pudor que ainda me limita – o que seria eu sem ele? A pergunta me arrepia o corpo inteiro. O que seria de mim sem meu pudor todo articulado? O que posso e não posso com ele? Sei que estou perguntando muito, mas me ensinaram que duvidar é a primeira premissa.
Pai, estou te testando e confesso, testo a sua fé em nós.
A misericórdia, se for infinita, sinto que não me alcança. Meu limite é tamanho que findo o Cosmos através do meu olhar humanamente telescopado – attômetro e anos-luz, já não mais consigo contar. Três pontos podem resumir um infinito? E é tão fácil quanto difícil. O infinito cabe em três pontos? E em três letras? E, T, C, é um bom resumo?
Pai, nós inventamos a matemática e estamos contando o seu mundo e medindo o seu poder. Como não sei mais o que faço, eu me perdoo, eu te perdoo.
Pai, eu sou o leproso do meu tempo, nenhuma palavra me salva. Quem terá piedade de nós?
Intervenha por mim a mãe de tudo!
Mãe, o pai mentiu e omitiu.
Mãe Madalena o pai bebe da carência de seus filhos. Eu sinto muito por tê-lo ofendido em sua casa, por três vezes. Eu o traí com um beijo Iscariotes e não ganhei nenhuma moeda. A cruz é o pecado, estamos no inferno.
Mãe, porque o pai não disse que o inferno é a Terra? O Éden queimou, a maldita serpente tentadora escapou pelas cinzas. Mãe, por quantas vezes o pai se arrependeu de nos ter feito a sua imagem?
Pai, depois de Noé, no mar do fogo apocalíptico, a família mais rica sobreviverá?
Pai o que você fez com os irmãos não escolhidos? Agora eu vejo que estão passando os camelos pelo buraco da agulha.
Mãe Maria, misericórdia! Sou culpado no julgamento final.
Mas, quem vai julgar o juiz?
Algumas coisas só os nãos arrebatados questionam. Sinto uma felicidade infernal.
Os excluídos do céu, os que não herdaram nada, farão da miséria a glória concreta. Construir do perdido o paraíso. Assim será.
Mãe, obrigado por conservar meu corpo após o calvário, não sei quantos dias precisei para ressuscitar.
Mãe eu abri um Nilo de sangue e vivi a dez pragas do Egito.
Pai, porque não te desci do monte, quero ouvir a tua fala e me cegar ao ver o teu rosto. Pai, não te vejo há três mil anos.
Os profetas falam por ti e não reconheço.
Pai, porque nos abandonaste?
Pai, eu atravessei o deserto em milhões de vidas. Negociei com o cão e ele me escravizou. Sim pai, eu virei um valor sem alma e o cão é desonesto. Todo contrato tem uma cláusula secreta, em letras muito miúdas de se ler. Tenho tantas cicatrizes que até aprendi a bater.
Ao meio dia, mil caem ao meu lado e mil vezes sou atingido. Pai, agora vejo como os maus castigam, a violência fere até os anjos na terra.
Pai, eu não fui livrado, a peste visitou a minha casa ao sétimo dia.
Pai, mãe, é a hora da despedida. Sou o primogênito que sobreviveu a 10º praga. Ficarei com os que não merecem porque também desobedeci à santa lei. Duvidei do que não se deve duvidar. Não ser salvo foi a minha salvação. Quem sobrevive à queda, que siga, pois ela é digna. Quem passou pelo inferno tem condição de criar o céu a partir da Terra. O paraíso dos perdidos. Que assim seja. Etc e três pontos.
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Palavras, Versos e Poesia
PoetryPoemas escritos até os dias de hoje, entre sentimentos diversos, entre necessidades diversas. Escrevi na rua, no ônibus, na cama, na piscina, na viagem, em casa, no trabalho e na faculdade. Escritos em guardanapos, Word, diários, agendas, cadernos...