Capítulo 2

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Não que tenha sido fácil ir embora de uma hora pra outra. Porque não foi. Eu ainda tinha tanto o que fazer, tanta gente de quem me despedir, e tudo o que papai fazia era preparar a mudança. Havia um caminhão para levar as caixas, mesmo que todos os nossos móveis fossem ficar no apartamento. Empacotei apenas minhas roupas, objetos pessoais e o Adolf, meu buldogue inglês. Sim, sim, Adolf. Fale o que quiser. Não seria a primeira vez.

Eu estava me esforçando para me despedir de todo mundo da melhor maneira. E, por todo mundo, eu quero dizer exatamente o que você imaginou: homens. O dia que antecedeu nossa partida, enquanto papai cancelava a internet e a TV a cabo, era o dia do Lourenço. Eu estava deitada na cama, com minhas unhas pintadas de vermelho passeando por aquele peitoral maravilhoso que ele tinha. Acredite, de todos os braços musculosos e peitorais sarados que já vi, aquele era o que eu ia lembrar para sempre.

– Talvez não seja tão ruim, Japa – ele tentava me consolar, as mãos grandes e fortes apoiadas nas minhas coxas.

É bom você saber também que quase todo mundo me chama de Japa. Às vezes Sá, às vezes Montezuma. Mas quase sempre Japa. E, pelo fato de apenas as mulheres da minha família serem as japonesas da história, nenhum dos meus sobrenomes é de origem japonesa. Meu outro sobrenome é Rodrigues. Mas melhor você esquecer desse nome. Nunca vou chegar perto de usá-lo para nada mesmo.

– Por quê? – perguntei curiosa – Você também acha que essa cidade é perigosa demais pra mim?

– Eu acho que qualquer lugar é perigoso demais para você – ele disse. Bem, fazia sentido.

Mas não pude responder, por que, no momento seguinte, escutei os latidos do Adolf e a voz do papai. Droga! Pulei longe e destranquei a porta. O Lourenço ficou olhando para mim com uma expressão desentendida até que eu explicasse:

– Meu pai! – exclamei. Só então ele foi entender e vestiu a camisa. Tão rápido quanto o Superman faria.

– Sara? – papai gritou. Não esperei nem meio segundo para abrir a porta e correr até a sala.

– Pois não? – respondi, com um sorriso fingido.

– A Vitória está chamando para jantar.

Olhei no relógio: ainda eram sete e quinze. A vez que eu tinha jantado mais cedo naquelas últimas semanas foi quando fiz pipoca para ver filme no Telecine.

– Eu vou em um segundo.

E fui logo me apressando pra voltar ao quarto. Papai olhava para mim daquele jeito esquisito que só ele sabe usar e me chamou outra vez.

– Sara?

– Paps? – meu sorriso foi mais falso ainda.

– Você está com companhia aí dentro? – Concordei, envergonhada. – Quantas vezes eu preciso dizer que...?

– Nós só estávamos conversando.

É, e a Madonna é virgem. Mas eu não podia falar a verdade, certo?

– Eu vou esperar por dois minutos. Dois minutos, Sara Montezuma, ou venho buscar você pelas orelhas.

Suspirei com impaciência e voltei para o quarto. O Lourenço agora estava vestido, calçado, penteado e lindo. Como aquilo era possível eu não tinha ideia, mas quase me joguei em cima dele outra vez. Só que papai ia chegar e me arrastar pelas orelhas. Não seria algo bonito de se ver. Principalmente se eu não estivesse usando metade das minhas roupas. De modo que, em pouco mais de um minuto, nós já estávamos saindo de casa e dando de cara com a porta aberta do apartamento da Vitória. Meu pai acenou com a cabeça, ciumento. A Vitória sorriu para mim e deu um Oi! caloroso pro Lourenço. Ele respondeu com um sorriso arrebatador e já estava quase aceitando o convite de ficar para jantar quando o Gabriel saiu do elevador, com os cabelos meio molhados e as bochechas rosadas. O Lourenço emudeceu ao meu lado, mas tudo o que o Gabriel fez foi passar por nós dois sem falar nada, dar um beijo na cabeça da mãe e atravessar a cozinha até a porta da sala de jantar, desaparecendo em seguida.

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⏰ Última atualização: Aug 22, 2015 ⏰

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