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CLEMENTINE

Ele ainda tinha os olhos sonolentos, arriscando um passeio ao redor antes de parar no mesmo ponto, observando com um ar de falso desinteresse, que só causava curiosidade em quem não sabia o que de fato havia ali. Ofuscado pelas írises escuras, atrás de uma névoa de fama e roupas bonitas, era fácil ver que Yoongi estava com medo. 

Um medo genuíno, do tipo que te paralisa por completo. Mas ele não podia ficar parado ali, não na frente daquele mar de pessoas que gritavam seu nome, então ele continuou andando, se movimentando, seu corpo executando passos gloriosos enquanto o seu interior estava parado. Era a representação do fracasso na vitória, ele obviamente estava infeliz. 

-Porque está sorrindo, Clementine?- não tiro os olhos da tela ao ouvir a voz de Saraa.- Você é realmente fã desse cara, o que ele faz?- sorrio ainda mais, fechando a aba do youtube e abrindo a que abrigava o meu trabalho, um documento do Word com um texto raso e sem graça. 

-Ele é um artista completo.

-Não conheço muitos artistas coreanos.

-Ele não é coreano, pelo menos não totalmente. -Volto ao começo do meu texto e tento começar uma revisão para torná-lo aceitável. -Seus avós vieram da Coreia, mas seus pais nasceram aqui, assim como ele. 

-Caramba, você é realmente uma fã! -Olho para Saraa, ela era estagiária na revista The Change e mirava tudo com seus olhos verdes e curiosos. Seu tom de permanente surpresa era um pouco cansativo às vezes, mas parecia tão real que eu não conseguia odiá-la por causa dele. -Isso é sobre os problemas de infraestrutura do antigo parque? -Ela aponta para o meu texto e eu aceno. -Parece estar muito bom. 

-Mas não está. -Continuo a revisão. -Você precisa de um olhar mais crítico, Saraa, isso definitivamente não está bom. 

-Acho que qualquer um diria que está, você é a melhor daqui.

-Quem te disse isso? -Eu estava concentrada em apenas metade do que ela falava. 

-O chefe, pelo menos três vezes ao dia.- a olho. -É verdade, ele fica se gabando pras outras revistas de NY, dizendo que é o único que tem “uma de você”.

-Sou um brinquedo para as crianças de gabarem agora? -Murmuro voltando para o texto. Se o sr. Warren realmente me valorizasse assim, teria pelo menos fingido me ouvir quando pedi um aumento. 

-Você pensa em sair da The Change? Me falaria se fosse sair daqui?

-Está pensando em me seguir se for o caso? -A olho quando não obtenho resposta, encontrando seu rosto vermelho, harmonizando com a cor de seu cabelo curto. -Sou uma acomodada, Saraa, não vou a lugar nenhum. 

-Mesmo se o The Times te chamar? -Eles já haviam chamado, pensei em dizer a ela, mas acabei apenas acenando de forma positiva.

-Você não deveria revisar a entrevista para mim? Eu tenho que anexar nessa matéria. -Ela se levanta na hora.

-Eu já volto! -Corre afobada até sua minúscula mesa, abrindo o notebook e se concentrando no trabalho. E pela primeira vez no dia, eu consegui obter um pouco de paz. 

Eu só escrevia em ambientes tranquilos, por isso durante o dia na redação eu vinha apenas para cumprir meu horário e fazer anotações, além de tomar café de graça. Meu real turno de trabalho começava às 18h, quando todos iam embora e o andar ficava apenas para mim. Isso até Saraa me descobrir e começar a aparecer de surpresa. 

Até considerei levar trabalho para casa, mas eu me conhecia bem demais para saber que, estando no mesmo ambiente que a minha cama king size, eu simplesmente não conseguiria ignorá-la. Eu precisava do desconforto que as cadeiras mal acolchoadas ofereciam, precisava da pressão de entregar algo publicável até às quatro da manhã, precisava do cansaço, do estômago embrulhado e da falta de perspectiva. Isso fazia com que eu fosse considerada a melhor, se me tirassem o meu trabalho, então não sobraria mais nada. 

ClementineOnde histórias criam vida. Descubra agora