Diana
Por mais que o verão já fosse uma estação passada, o calor ainda era quase insuportável, principalmente, pelo uso do jaleco. A pequena sala de reunião, onde estavam reunidas agora, não tinha janelas e muito menos um ventilador. O verde claro e descascado da parede trazia um ar de abandono para o lugar, que combinava com todo o ambiente que o rodeava.
Um lugar esquecido. Diana arrumou o rabo de cavalo, que insistia em se desfazer em pequenas mexas soltas e soltou o ar com força.
- Vamos sufocar aqui. - disse, por fim.
- Temos só que esperar a ACS¹ voltar. - Lígia informou enquanto mexia no celular.
- Como você consegue ter sinal aqui? - Beatriz questionou a amiga.
- Não tenho. - Lígia deu de ombros - Só tô rolando por publicações que já vi. - sorriu.
- Quanto tempo será que vai demorar? - Liana suspirou e cruzou os braços.
Diana passou os dentes pelo lábio inferior e encostou na parede gelada às suas costas, que forneceu um certo conforto. Além da parede descascada, o piso da sala estava quebrado e poucas cadeiras empilhadas no canto da parede a sua frente poderiam, realmente, ter alguma utilidade. Tudo ali parecia resto de coisas que, um dia, funcionaram.
Por isso sempre sofriam com a falta de um professor por ali. Quem gostaria de trabalhar em um lugar assim? Esquecido... Pelo menos, eu não. Não havia nem um mês que elas começaram o estágio obrigatório da faculdade ali e já tiveram que trocar três vezes de professor. Ninguém conseguia durar ali por muito tempo porque ninguém conseguia lidar com a dureza daquele lugar. Ela nunca achou que lugares como aquele poderiam existir em uma cidade como São Paulo, em uma cidade onde existiam bairros como a Paulista, Jardins, Higienópolis, Itaim Bibi, Cidade Jardim...
Ali era um lugar rejeitado pelo esplendor da Cidade que nunca dorme.
- Bom-dia, meninas! - Alessandra entrou na pequena sala - Ainda não temos médico para ficar com vocês, então preparamos outras atividades.
Alessandra era a gerente da UBS² e a única pessoa de fora do território que aguentou trabalhar ali diante de todas as circunstâncias. Era formada em psicologia, e ainda atuava na área, mas com alguns cursos e indicações foi parar ali, naquele pedaço de nada, e por mais que fosse difícil, conseguia manter as rédeas e fazer a carruagem rodar. Diana já havia se cansado de pensar em como uma pessoa com um bom currículo como o dela se contentava a se perder naquele lugar.
Revirou os olhos. Se não havia médico ali, por que é que deixavam elas virem?
- Que tipo de atividade? - Liana se ajeitou na cadeira.
- Vamos realizar VDs³ para vocês se familiarizarem com o território.
Todas suspiraram. De todas as atividades que poderiam ser feitas, a VD era a que menos gostavam - era melhor, inclusive, continuar naquela sala até sufocar.
- Bom, quais são as duplas?
Diana olhou para a irmã e sorriu.
- Aí, olha, sem condição! - Liana sorriu e fez um gesto de mão para a irmã - Já são quase 24 horas juntas.
- Ainda acho um barato vocês duas. - Alessandra sorriu e encarou as irmãs - Vocês sempre fizeram tudo juntas?
- Vish, quase nada. - Diana soltou o ar dissonante.
- Ela tá zoando. - Liana levantou da cadeira e revirou algumas coisas na mochila. Diana imaginou ser o seu pequeno caderno de anotações - A gente é tipo corpo e sombra.
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Na saúde & Na doença
RomanceA vontade de passar em medicina é só a ponta do iceberg para as vivências que a prática diária traz. Às vezes, é preciso ser duro como pedra e em outros, deixar-se levar. Mas nunca esquecer que por baixo do jaleco e atrás do estetoscópio existe uma...