NOVEMBER 6th, 1985. Hoje faz exatos 2 anos desde o meu desaparecimento, algo que revolucionou toda a cidade de Hawkins e claramente suas redondezas. Um tipo de trauma que estará marcado em minha pele por uma toda vida. "O tempo cura tudo." É o que eles dizem, mas todos sabemos que, embora o machucado não esteja mais explícito, a dor ainda permanece.
E era assim que eu me sentia, um garoto que teve sua infância interrompida e que sabe que nunca mais poderá recuperá-la de volta. Isso era dor.
Mas quando se tem amigos ao seu lado tudo fica melhor, não é? Sim, eu tinha amigos ao meu lado. Lucas, Dustin, e um em especial. Michael.
Mike era o meu melhor amigo desde o jardim de infância. Quando pequenos costumávamos ir num parquinho próximo à escola, lá existia um balanço enorme que fazia você se sentir nas nuvens quando balançava. Nós nomeamos ele de "foguete byler", pois sentíamos que ele poderia nos levar até a lua, e porque byler era uma junção boba de nossos nomes. Mas durante um possante temporal o balanço fora perdido, assim como nossas memórias que ali estavam gravadas.
Agora estávamos na adolescência, 14 anos. Mas o que pensar sobre isso? O tanto de coisa que aconteceu durante todo esse tempo. Duas garotas haviam entrado para nosso grupo: Max e Eleven, a namorada de Mike. Eu acho. Nunca entendi ao certo o real relacionamento dos dois, apenas que em suas piores noites eu estava lá para o consolar após uma briga entre ele e a garota. Pois sabia que ele faria o mesmo por mim.
Havia passado alguns dias desde que Mike e El terminaram o namoro, e eu já tinha algo em mente para distraí-lo: D&D. Mas percebi que não apenas Mike havia se cansado do jogo, e sim todo mundo. Então recorri a uma última coisa: cinema.
Flashback on:
A fila estava absurdamente imensa e muitas pessoas estavam eufóricas a ponto de começarem uma discussão sobre a falta de ingressos do filme. Por sorte eu havia comprado há 4 dias atrás e não enfrentei nenhum tipo de problema, exceto enfrentar outra fila dentro do cinema.
— Vai demorar muito? Já estamos aqui meia hora. — diz Mike impaciente.
— Passaram-se 15 minutos apenas. E qual a graça de ir ver um filme e não comer pipoca?
— Tanto faz. — suspira.
Algum tempo depois, já havíamos pego a pipoca e agora nos direcionava até a sala onde o filme ocorreria. Mike estava estranho, ele não falou nada durante o resto da fila e nem quando sentamos em nossos lugares. Talvez seja por conta de seu término.
— Que filme vamos ver mesmo? — pergunta quebrando o silêncio.
— Goonies. — digo entusiasmado.
O filme estava prestes a ser reproduzido, dou uma olhada para os dois lados da sala e noto nenhuma presença de funcionários. Abro rapidamente o zíper da minha mochila enquanto Mike observava o ato.
— O que está fazendo? — sussurra.
— Trouxe algumas guloseimas extras.
O garoto decide não contrariar e me ajuda a retirar os doces da mochila sem fazer nenhum barulho alto.
Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Após 50 minutos de filme, eu e Mike já estávamos saciados por conta dos doces. Nossas gargalhadas altas eram capazes de preencher toda a sala, apenas ouvíamos as pessoas sussurrar um "shiu" toda vez que acontecia uma cena engraçada que nos fazia deleitar-se.
Direciono meu olhar ao garoto que agora estava concentrado na grande tela à nossa frente. Podia-se enxergar claramente o pouco de açúcar que ainda continha em seus lábios carnudos.
Por que eu estava olhando diretamente para boca dele? E por que eu não consiga desviar?
— Por que está me olhando desse jeito? — prega seus olhos em mim.
— N-Nada, você só está um pouco sujo. — aponto para o local.
Ele passa a ponta de seus dedos finos por toda extensão de seus lábios tentando livrar-se do açúcar acumulado ali.
— Saiu? — consigo ouvir sua respiração próxima ao meu rosto.
— S-Sim.
Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Flashback off:
Mike e Eleven haviam reatado o namoro depois de um tempo, e cada vez mais ele se fazia mais ausente. Eu não culpo El por isso, ela é uma garota legal, mas gostaria que a minha amizade com Mike não tivesse mudado. Assim como gostaria que ele não tivesse mudado.
Estava apenas eu e ele sentados no sofá de seu sótão sem dizer uma mísera palavra durante 10 minutos, respiro fundo e finalmente acabo com aquele tormento.
— Olha Mike, não quero que fique aqui comigo por obrigação. Sei que nossa amizade não está mais a mesma, então se quer estar com El, então vá. — admito.
— Como assim nossa amizade não está mais a mesma? — pergunta confuso.
Agora eu que o encarava com um semblante irritado.
— Como pode não notar? Nosso grupo não é mais o mesmo, todos estão diferentes. Você está diferente.
— Estamos crescendo, Will. C-R-E-S-C-E-N-D-O. — soletra a última palavra.
— Não ter tempo para os amigos faz parte do seu processo de crescimento? — rebato.
Mike passa suas mãos pelos fios de seu cabelo mostrando estar irritado e nervoso.
— O que você quer que eu faça em relação a isso? Não tenho culpa se você não gosta e nunca vai gostar de garotas. — aquilo me feriu como uma lâmina.
— Will.... E-Eu sinto muito, eu não queria ter feito...
— É, mas você fez.
Subo em minha bicicleta e começo a pedalar a procura de um local onde ninguém poderia me encontrar, um local onde eu estaria seguro comigo mesmo. O antigo parquinho.
Não havia muitas crianças lá desde o incidente, e acabou por se tornar um lugar vazio apenas com velhas memórias. Sento no banco e lágrimas começam a escorrer pela minha face.
Mike estava certo, todos crescemos. Nossas vidas mudaram tanto durante esses dois anos, falo por experiência própria.
Não somos mais aqueles moleques de 12 anos que reuniam-se num porão para jogar tabuleiro. Eu preciso deixar o passado para trás.
Percebi que meus sentimentos pelo maior ultrapassavam uma simples amizade, quando após o fatídico dia quando fomos ao cinema, passei noites em claro pensando se o sabor dos seus lábios também eram doces como aquele açúcar, ou algo mais cítrico.
Mas de fato eu nunca descobri sua verdadeira essência.