CAPÍTULO 9 - Susan

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"Água benta não pode te ajudar agora

Mil exércitos não podem me impedir de entrar

Eu não quero seu dinheiro

Eu não quero sua coroa

Eu vim para incendiar o seu reino ..."

Seven Devils - Florence + The Machine 

Até mesmo o oxigênio parecia diferente. Pungente, dilacerante, angustiante e todos os outros malditos adjetivos sinônimos de doloroso. Quando o avião pousou na minha "amada" cidade natal, a única pergunta que passava repetidamente na cabeça era que diabos eu estava fazendo ali mais uma vez. Movida por uma força medrosa do além, assim que aterrissei, já comecei a fazer tudo no modo automático. Sair, pegar a bagagem, caminhar, respirar.

Para fugir da situação, quase embarquei de volta num avião só de ida com destino ao Brasil. Quase. Coragem, Susan Pellegrini! Você é capaz de enfrentar seu passado, sim! Você é uma mulher, não um frango. Onde está seu espirito de audacioso?! Tenha bravura, criatura perfeita!

Minha amiga, percebendo o estado de completa desorganização psicológica, me puxou por entre a multidão de pessoas no terraço do aeroporto.

– Temos que pegar um táxi, Sul. – Mel gritou por cima do barulho do local.

Apenas assenti frustrada e continuamos nosso percurso até a entrada.

Foram 10 anos. 10 ANOS! Minha mãe, que se dizia culpada e arrependida, não se dignou ao trabalho de nos receber. Até mesmo meu amado pai esqueceu que a filha preferida chegaria hoje. Nem bem Florença me recebe, a mágoa já é um sentimento que define meu estado de espirito. Aqueles imãs de geladeira de bujão da companhia de gás valiam mais que eu mesma.

Tudo bem que parte da culpa é minha, já que só mantive contato apenas com papai durante todos esses anos, mas é decepcionante ver que sou tão esquecida perante minha família. Não custava nada mandar, pelo menos, o motorista da mansão, só para sentir que sou amada pelo menos um pouquinho de nada

Perdida em pensamentos e maldizendo o povo de casa por me ignorarem num dia que deveria ser especial (É meu retorna ao lar, poxa!), me assustei com braços curtos envolvendo minhas coxas em um tipo de abraço esquisito e repentino. Eu pensei que fosse alguma criança estranha, mas olhando para baixo, mirei os grandes olhos castanhos claros de Bitello. Seu cabelo, antes escuro como café, estava grisalho e mais enrolado. Pequenas rugas serpenteavam entre os olhos e testa, sinais de que o tempo realmente passava. Aquele buchinho de cerveja tão famoso não existia mais.

Saudades me definiam agora. Quem diria que eu sentiria falta do meu anão bibliotecário preferido. Agachando-me, retribui calorosamente o apertado abraço.

– Você está enorme, Susan. – Bitello sorriu e cheirou minhas madeixas loiras. – Quem diria que seu perfume continuaria o mesmo.

– Eu acho que foi você que diminuiu mais um pouco, Tellão. – Levantando, baguncei seu cabelo como uma mãe fazia com seu filho pequeno. Se me lembro bem, o melhor amigo de papai odiava essa brincadeira e o apelido carinhoso de eras.

– Continua desrespeitosa, Susan? – Ele tentou me repreender, mas falhou vergonhosamente e eu acabei sorrindo.

Uma Mel, sem entender nada, continuava parada ao meu lado, fitando a situação com extrema curiosidade. Puxando sua mão para frente, acabei apresentando-a ao meu amigo, quase tio.

As Damas de (Des)HonraOnde histórias criam vida. Descubra agora