Elisa
Acordo totalmente sobressaltada, minha respiração está ofegante como se eu estivesse correndo há horas, passo a mão na minha testa e sinto o suor acumulado, levo minhas mãos até meu pescoço e massageio de leve tentando dissipar a tensão, sento na cama e espero as batidas do meu coração voltarem ao normal, e só então crio coragem de empurrar minhas cobertas para o lado e me levantar, olho no criado mudo ao lado minha cama e vejo as horas no meu celular 5 da manhã, solto um suspiro e caminho para o banheiro, lavo meu rosto, e a água fria em contato com a minha pele me faz sentir um pequeno alivio, até me lembrar do sonho, me apoio na pia e respiro fundo algumas vezes, depois de um tempo saio do banheiro, fazia muito tempo que eu não sonhava com aquela noite, mais já é um alivio não acordar gritando ou tendo um ataque de pânico, balanço minha cabeça para afastar esses pensamentos, não quero e não posso pensar nisso agora, vou até o meu guarda roupa e pego um conjunto de moletom e os visto bem rápido, sento na cama para poder calçar os meus tênis. Saio do meu quarto, tentando fazer o mínimo de barulho possível, desço as escadas indo em direção a cozinha, destranco a porta e saio pelos fundos, começo a caminhar enquanto desenrolo meus fones e o conecto ao meu celular, acesso a minha playlist, e uma música aleatória começa a tocar silenciando o barulho dos meus pensamentos.
A muito tempo na minha vida correr era uma forma de terapia, meu corpo e minha mente entravam em sintonia quando eu corria, e eu adorava, se eu precisasse me acalmar eu ia correr, se eu queria ficar sozinha ou com raiva correndo era uma forma de conseguir isso, era o meu momento de liberdade, mas há exatos seis meses, minha terapia se transformou em um pesadelo e desde então eu não corro mais. Mas eu ainda preciso estar em movimento, então ao invés de correr eu ando, eu estou melhorando antes eu não conseguia correr nem mesmo em situações simples como estar atrasada, eu simplesmente travava, e me via de volta na floresta, mais aos poucos, minha mente está se adaptando, e não entra mais em pânico quando surge uma necessidade de correr, é raro mais já é um avanço, por mais lento que seja é uma vitória.
A medida que a música toca em meus ouvidos vou acelerando os meus passos até estabelecer um ritmo confortável, olho ao redor e observo o cinza da madrugada sendo substituído pela luz do dia, ergo minha cabeça e vejo no céu aparecerem uns raios alaranjados em meio ao azul com branco, e me sinto bem por ver algo tão simples e ao mesmo tempo tão bonito, esse pensamento me faz sorrir, sorrir, ultimamente não tenho sorrido muito, antes eu sorria para o vento mais parece que o meu mundo ficou cinza e eu não vejo mais as cores que me faziam sorrir. Nesses últimos meses para fugir da tormenta que é são os meus pensamentos eu tenho canalizado está energia negativa nos meus desenhos, em seis meses eu já desenhei mais do que em dois anos inteiros, minha professora de artes a senhora Lee está em êxtase com todos os meus portfólios novos, ela anda me ajudando a montar algumas amostras para mandar para algumas faculdades de artes que eu andei pensando em me inscrever ano passado, me alivia que nesta parte da minha vida continua como é, que eu ainda consiga fazer algo que eu amo que isso não mudou.
Fiquei tão mergulhada em meus pensamentos que quase não reparei que já estava nas ruas desertas do bairro em que moramos, dentro delas a floresta fica somente a alguns metros se seguir para o leste, decido que já está na hora de voltar, hoje por descuido eu vir parar aqui, quando eu caminho eu quase não presto atenção para onde vou meu corpo me guia por memoria enquanto eu fico viajando em pensamentos. Quando dou meia volta um pensamento me passa pela cabeça, e se eu tentasse correr bem devagar, há um mês tento assimilar esta ideia e todas vezes que pensei nela eu começava a querer entrar em pânico, e hoje pela primeira vez acho que meu cérebro não se apavorou com a ideia, com o coração aos pulos começo uma pequena corrida, tão lenta que até uma vovó de 90 anos me ultrapassaria, e eu não surtei, o meu corpo não entrou em colapso, começo a rir alto e lagrimas chegam aos meus olhos, aos poucos eu estou conseguindo vitorias e minha vida está voltando ao normal, com um sorriso enorme eu vou nesse ritmo pra casa.
Avisto a entrada da minha casa e volto a somente caminhar de novo, sigo para os fundos e abro a porta da cozinha com cuidado, e como sempre vejo a minha mãe sentada no balcão da cozinha tomando sua xícara de café, quando passo pela porta ela me levanta a cabeça e sorri para mim.
- Bom dia mãe – vou até ela e dou um beijo na sua bochecha e depois vou até a geladeira pegar um copo de água para mim.
- Bom dia querida, dormiu bem?
- Na medida do possível sim, pelo menos desta vez quando eu acordei era só cinco horas da manhã não duas – minha mãe solta uma risada e se levanta para pegar mais café e diz
- Você sempre dormiu pouco mesmo, lembro de quando você era criança, e eu ficava esperando quando essa fase de acordar muito cedo ia passar, e 17 anos depois ainda estou esperando
- Mais antes era diferente de agora, eu era normal antes de tudo isso – apoio meu corpo no armário ao lado da geladeira e sinto as mãos da minha mãe em meu cabelo, inclino mais minha cabeça em direção a sua mão, enquanto ela ergue meu rosto
- Você ainda é normal meu amor, você passou por muita coisa é demora um tempo até voltar a sentir normal, mais você é normal, você ainda é você
Todo mundo acha que na floresta eu fui atacada por uma pessoa e que de algum jeito tinha conseguido fugir, ninguém imagina que um lobo enorme quase me matou e que outro lobo me salvou e ainda falou comigo. Quando me encontraram eu só me lembro do meu corpo desabar no chão e depois escuridão. Lembro vagamente de acordar no hospital sentindo muita dor e com dificuldade de raciocinar e falar coerentemente, minha mãe disse que eu fiquei dois dias apagada, acordava dava alguns resmungos que ninguém entendia, esses dias são como flashes borrados em minha mente. Mais essa não foi a pior parte, pior foi quando a polícia me visitou no hospital me fazendo perguntas sobre o que tinha acontecido, é foi quando eles perguntaram "quem" é não" o que" tinha me atacado eu soube que ninguém jamais acreditaria que um lobo tinha tentado me matar, e então eu menti, contei sobre como um homem desconhecido tinha me atacado, claro mudando alguns detalhes que seriam sobrenaturais demais para eles, graças a pancada que eu levei na cabeça tive a desculpa de poder inventar que não me lembrava de como tinha escapado, só disse que eu corri muito quando tive chance, o que não deixa de ser verdade, e que como estava muito escuro e eu machucada demais era impossível eu conseguir identificar o rosto do homem, jamais em toda a minha vida eu vou conseguir esquecer aqueles olhos e como eles olhavam para mim quando vinham em minha direção, eles tinham um brilho assassino que só de lembram fazem o meu sangue gelar de pavor.
Mergulhada nessas memorias quase não escuto minha mãe me chamando, pisco e afasto esses pensamentos para o fundo da minha mente, me forço a voltar para o presente.
- Eu sei mais as vezes é tão difícil acreditar nisso
-- Tudo bem meu amor, vamos viver um dia de cada vez, e eu vou estar sempre aqui para você.
Abraço minha mãe, que retribui me apertando forte, me fazendo sentir um pouco de paz em meio a esse caos constante que se transformou a minha vida, é então me lembro de dizer a minha mais nova novidade
- Advinha? – Ela sorri um pouco antes de me lançar um olhar de interrogação
- Não faço ideia meu amor
- Eu corri hoje – quando vejo minha mãe arregalar os olhos e começar a querer a gritar e pular eu logo interrompo seu momento de euforia- foi devagar quase parando, nada muito rápido
Mal termino de falar e minha mãe volta a me abraçar de novo e a me encher de beijo e a gargalhar, e eu não aguento e gargalho junto com ela
- Não é grande coisa mãe
- Mais é claro que é meu amor, lembra, dê um passo de cada vez e logo estará correndo....
- Outra vez – dissemos juntas
Eu escuto essa frase da minha mãe desde que eu era pequena, sempre em momentos que eu sentia que não era capaz ou suficiente ela me lembrava da nossa frase. E eu me sentia capaz de fazer tudo, conquistar o mundo com um passo de cada vez.
- Certo, um passo de cada vez, eu consigo
Ela fez carinho na minha bochecha e abriu um dos seus sorrisos mágicos de mãe.
- É claro que consegue meu amor, agora banho e desce para tomar café comigo, vou fazer panquecas para você
Tenho certeza que meus olhinhos brilharam depois que escutei a palavra panqueca, minha mãe riu outra vez, quando eu mais do que depressa comecei a subi as escadas correndo até o meu quarto.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Transformação
FantasíaEra uma madrugada como outra qualquer a floresta ao meu redor me abraçava enquanto eu corria sentindo o vento frio bater contra o meu rosto, fazendo com que todas as minhas preocupações se esvaíssem a cada passo que eu dava, mas algo estranho aconte...