Epílogo: 25 de outubro de 2020

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O tic-tac do relógio me deixa apreensivo a cada toque e eu permaneço olhando para Devon guardando algumas roupas no guarda-roupa do outro lado do cômodo.

Algumas coisas mudaram ao longo de um ano, Devon conseguiu um novo emprego e aos poucos está lidando com tudo o que aconteceu em sua carreira de modelo mesmo com as pessoas ainda a procurando para determinados trabalhos em festas que todos sabemos do que se trata, porém de modo geral ela está indo bem.

Na verdade, ela conseguiu o emprego há pelo menos 10 meses, inclusive queria sair de nosso "apertamento" com a intenção de não me incomodar mais (e realmente não estava incomodando), mas eu a fiz desistir incentivando-a a usar seu dinheiro para a faculdade já que havia se interessado por design gráfico quando ainda era modelo.

Tudo já está ocorrendo tão bem que agora sinto medo de tudo acabar, afinal, eu nunca acreditei 100% que a morte poderia ter deixado tudo tão fácil de ser resolvido. Então eu continuo aqui, aprisionado em meu próprio pavor e sem poder contar o que ocorre para Devon mesmo com ela estando realmente preocupada comigo.

— Você tem certeza mesmo que tá tudo bem? — Devon pergunta ao fechar a porta do guarda-roupa logo atravessando o cômodo para sentar-se ao meu lado.

— Sim, é só um mal estar — respondo com um sorrisinho meio falso. — Vou melhorar daqui a pouco, não precisa se preocupar, okay?

— Se você diz... — ela fala mesmo não estando convencida de minha afirmação, logo me dando um beijo no rosto. — Eu já fiz a comida, talvez seja melhor você comer um pouco.

— Não precisa, tá? De verdade mesmo — dou-lhe um selinho e ela sorri minimamente. — Na verdade eu preciso de uma coisinha sim...

— E o que é?

— Você. O dia todinho. Mais especificamente, até você cansar de olhar pra minha cara.

— Nossa, mas que pedido complicado, nem sei se vou conseguir providenciar isso — ela fala jogando-se em meus braços e o cheiro de hortelã proveniente do cabelo recém-lavado impregna em minhas narinas. — Para de cheirar meu cabelo desse jeito, ele não é cocaína.

— Eu sei, cocaína vicia menos.

— Idiota — ela ri. — Sabe... Talvez nós devêssemos respirar um pouco, aproveitar o final de semana...

— Você quer ir... à praia? — questiono abrindo um sorriso nos lábios enquanto Devon fazia exatamente o mesmo.

— Se isso for te deixar mais animado — ela se levanta, passando a mão pelo meu cabelo. — Eu dirijo dessa vez, okay?

Não é o tempo ideal para se ir à praia, estamos no meio do outono, e a água talvez esteja fria demais para ser tocada, mas felizmente não iríamos para isso. Nós apenas precisamos de ar, ou talvez apenas eu precise, e isso era suficiente para nos tirar de nosso apartamento com nossos moletons cinza e os cabelos bagunçados.

Mas nem ao menos o barulho das ondas parece me acalmar, é como se tudo isso tirasse meu fôlego cada vez mais. O calendário parece bater em minha cabeça apenas me provando a cada segundo que nada daquilo realmente acabou, e tudo o que eu mais sinto agora é medo e o pânico que parece fazer meus pulmões se colarem.

Ela ainda está aqui, esteve comigo pelas 14 horas passadas desse dia, mas as outras 10 parecem passar-se em 100 anos, aumentando ainda mais a angústia em meu peito.

Devon se preocupa com o meu pânico visível, mas não posso lhe falar porque meus olhos lacrimejam, ela tenta aceitar isso e me abraça, esperando que tudo isso acabe e eu me culpo por estar fazendo isso a ela.

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