Adeus, Aurora

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  Olho para o céu. Minha respiração condensa no ar. Está muito frio mas não desgrudo meus pés daqui. 

   Hoje faz exatamente um mês que Aurora deixou minha vida. Ela havia deixado mais um bilhete, um que só poderia ser retirado pessoalmente pelo dono do número de telefone.

   Com muito custo, descobri que o antigo dono do meu número de celular era um homem chamado Dorian Gray, como a porra do livro. Morava no Brooklyn e decidiu trocar de número logo quando as primeiras mensagens começaram. 
   
   Minha visita ao Brooklyn me revelou mais sobre a misteriosa dona das mensagens. Um nome e um sobrenome. Eu os tinha em mãos e era tudo o que eu precisava. 

Aurora Green. Chegava a ser um nome poético, assim como suas mensagens. Trabalhava em uma livraria, isso explicava muita coisa. Amava café, era cliente fiel da cafeteria onde mandou que eu fosse. Era sozinha. Sem pais, irmãos, tios ou avós. Dorian era sua única família. 
Aurora o amava e ele a amou de volta, mas disse que não conseguiria continuar a receber as mensagens e também não queria dizer para que parassem de envia-las.

Quando acabarem as mensagens, ela vai estar oficialmente morta, e isso é doloroso demais.

Aurora está morta. 

Aurora tinha uma doença incurável, rara, não tinha nem mesmo um nome. 

Decidiu morrer no Canadá, onde sua eutanásia seria assistida não só pelos médicos, mas por todo um fenômeno de luzes no céu. Nunca tinha visto uma Aurora, só a do próprio espelho. Morreu dizendo que sempre estará naquele céu, brilhando como queria ter brilhado em vida.

Aurora escreveu mais 730 mensagens. O que corresponde a dois anos de mensagens de texto e também escreveu uma ultima carta. Deixou tudo com uma pequena empresa que prometera escrever e enviar todas as mensagens dela para o número que ela deixasse lá, tudo por uma quantia significativa.

Como atual dono do número em questão, pude pegar sua ultima carta. Não me parecia certo ler, então a entreguei para Dorian. O que ele fará com ela, isso não é problema meu. 

Quanto a mim... Coloco meus fones de ouvido, a música, aquela que Aurora me mandou no dia do Central Park, se repete várias e várias vezes enquanto olho para o céu de Yukon, no Canadá, onde uma bela Aurora Boereal rasga o céu em seus tons de verde e me alegra. Como Aurora Green, que alegrou meus dias durante uma semana inteira.

As crianças choram, riem e brincam
Children cry and laugh and play


Lentamente, o cabelo ficará cinza
Slowly hair will turn to gray


Vamos sorrir para terminar todos os dias
We will smile to end each day


Em lugares que não vamos andar
In places we won't walk

Penso nela, seus cabelos nunca se tornarão brancos, ela nunca vai sorrir para mim e nós nunca vamos conhecer o mundo...

—Adeus, Aurora. Você tem um péssimo gosto para café. 


COM AMOR, AURORAOnde histórias criam vida. Descubra agora