A PRIMEIRA VISTA

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CONTINUAÇÃO.

— Bem, então, de nada. — ele murmurou, envergonhado com o meu agradecimento.

Trocamos mais alguns comentários sobre o tempo, que estava molhado, e era isso em termos de conversa. Ficamos olhando pela janela em silêncio.

Era lindo, claro, não podia negar isso. Tudo era verde: as árvores, os troncos cobertos de musgo, os galhos pendurados formando uma cobertura, o chão coberto com plantas. Até mesmo o ar ficava meio verde ao passar pelas folhas. Era muito verde - um planeta alienígena.

Finalmente chegamos na casa do Park. Ele ainda vivia na casa pequena, de dois quartos, que ele comprara com minha mãe logo que se casaram. Esse foi o único período do casamento deles. Ali, estacionada na rua em frente à casa que nunca mudara, estava minha nova - bem, nova para mim - caminhonete. Era uma cor vermelha
desbotada, com uma grande cabina e enormes calotas. Para minha grande surpresa, eu amei. Não sabia se ela ia andar, mas conseguia me imaginar dentro dela. Ainda por cima, era uma daquelas coisas sólidas de ferro, que nunca se amassam - do tipo que se
vê num acidente nem arranhada, circundada pelos pedaços do carro que ela tinha destruído.

— Uau, oppa, adorei! Obrigado! — agora meu dia horrível que seria amanhã iria ser um pouco menos horroroso. Eu não precisaria escolher entre andar na chuva por mais de três quilômetros ou aceitar uma carona no carro-patrulha para chegar no colégio.

— Fico feliz que você tenha gostado. — Park disse, envergonhado de novo.
Só precisou uma viagem para levar todas as minhas coisas para o andar de cima. Fiquei com o quarto que tinha janela para o pátio da frente. O quarto me era familiar. Era meu desde que tinha nascido. O chão de madeira, as paredes azul claro, o teto curvado, as
cortinas de renda já amareladas - tudo isso fez parte da minha infância. As únicas mudanças que Park tinha feito fora por eu ter crescido: mudou o berço por uma cama e colocou um escrivaninha. A escrivaninha agora tinha um computador de segunda mão, com o fio do telefone para a internet grampeada pelo chão até chegar na tomada de telefone mais próxima. Isso tinha sido estipulado por minha mãe, para que pudéssemos manter contato fácil. A cadeira de balanço dos meus tempos de bebê ainda estava num
canto.

Havia somente um pequeno banheiro no andar de cima, o qual teria que dividir com Park. Tentava não pensar muito nisso.

Uma das coisas boas sobre o senhor Park é que ele não fica me cuidando. Ele me deixou sozinho para desfazer minhas malas e me ajeitar, uma coisa que seria completamente impossível para minha mãe. Era bom poder estar sozinho e não ter que ficar sorrindo e
parecer feliz. E era um alívio poder olhar com desânimo para a chuva na janela e deixar escaparem algumas lágrimas. Não estava afim de começar uma choradeira. Guardaria isso para a hora de dormir, quando fosse pensar na manhã que estava por vir.

A Escola de Forks tinha o aterrorizante total de apenas trezentos e cinquenta e sete - agora cinquenta e oito - alunos. Só no meu ano, lá em Phoenix, havia mais de setecentos alunos. Todo mundo aqui tinham crescido juntos - seus avós tinham sido bebês juntos.

Eu seria a garota nova da cidade grande. Uma curiosidade, uma aberração. Talvez se eu parecesse com uma garota de Phoenix isso poderia ser uma vantagem. Mas fisicamente eu nunca me encaixaria em lugar algum.

Eu deveria ser bronzeado, esportivo, loiro - jogador de vôlei, talvez - essas coisas associadas ao vale do sol.

No lugar disso, eu tinha pele branca apesar do sol constante, sem nem ter a desculpa de ter olhos azuis ou cabelos ruivos. Sempre foi meio magro, mas nem tanto, obviamente não era um atleta. Não tinha a coordenação motora necessária para praticar esportes sem me humilhar - e machucar a mim mesmo ou qualquer um parado muito perto de mim.

Quando terminei de colocar minhas roupas no velho guarda-roupa de pinho, peguei minha bolsa de produtos de beleza e fui ao banheiro comunal para me lavar depois do dia de viagem. Olhei para meu rosto no espelho enquanto penteava meu cabelo
embaraçado e úmido. Talvez fosse a luz, mas eu já parecia mais pálido, pouco saudável.

Minha pele poderia ser bela - era bem clara, parecia transparente - mas tudo dependia da cor, e eu não tinha isso.

Encarando meu reflexo pálido no espelho fui obrigado a admitir que estava mentindo para mim mesmo. Não era só fisicamente que eu nunca me encaixaria. E seu eu não conseguise  achar um lugar para mim numa escola com três mil pessoas, quais eram minhas chances aqui?.

Eu não me relacionava bem com pessoas da minha idade. Talvez a verdade fosse que eu não me relacionava bem com as pessoas, ponto. Até minha mãe, que era a pessoa mais
próxima de mim no planeta, nunca estava em harmonia comigo, nunca estávamos exatamente de acordo. As vezes imaginava se eu via as mesmas coisas através de meus olhos que o resto do mundo via com os deles. Talvez houvesse um problema no meu cérebro. Mas o motivo não importava. O que importava era o resultado. E amanhã seria só começo.

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